Uma aula de história na “Caros Ouvintes”

 


As gerações em vigência, da cibercultura, dos variados aplicativos, da febre do caça Pokemons no meio da rua, não conseguem visualizar a ideia de que em décadas passadas, o rádio era tudo de mais moderno no ramo do entretenimento, e de tanta importância que tinha, era tido como “um ente” da família, capaz de reunir todos ao seu redor, em todas as classes sociais.

A peça Caros Ouvintes, em cartaz no teatro Luiz Mendonça no Parque Dona Lindu em Boa Viagem, neste sábado às 21h e domingo às 19h, faz um retrato fiel da era de ouro do rádio brasileiro. Tudo funciona harmoniosamente no espetáculo; do cenário ao elenco, as expectativas são facilmente atingidas, com gargalhadas e sentimentos nostálgicos de uma época que muitos da plateia não vivenciaram, mas que o perfeito transporte para aquele momento mágico é garantido.


O foco da peça é estampar o produto mais valioso da era de ouro do rádio nacional, a radionovela; tendo O Direito de Nascer, de 1951, o auge deste fenômeno cultural, que reunia famílias ao redor de um “aparelho que falava” para praticarem a arte de viver uma história apenas utilizando a imaginação criada por vozes de personagens sem faces. Mas isso era mágico, um exercício magnífico do lúdico, no qual a beleza não existia concretamente, já que a voz era o único produto “palpável”.

“Espelhos da Paixão”, a radionovela fictícia, proporciona a emoção real de viver uma cultura que já muito aclamada, e apresenta os instrumentos de sonoplastia que ajudavam a contar a história com minúcias de verossimilhança, como barulho de porta se abrindo, de chuva, de pisadas, ou seja, os detalhes necessários para compor a trama juntamente com as vozes dos personagens. O contexto histórico de “Espelhos da Paixão” é o golpe militar de 1964, o que traz a esta radionovela um drama real e horrível vivido pela sociedade da época, incluindo os profissionais da rádio, que eram perseguidos e mortos caso não compactuassem com a tirania daquela conjuntura. A peça mostra este momento delicado com riqueza de detalhe, mas também tem muito humor, da plateia gargalhar, pois a interpretação dos atores é tão “feliz” que rir e chorar não causa nenhuma confusão, os sentimentos são explorados nos momentos cabíveis. É uma verdadeira aula de história do Brasil, uma ferramenta cultural que alimenta todas as gerações; as passadas para reviver a nostalgia da época, e as vigentes para mostrar como era fácil e ingênuo se divertir em família. Mostra como o advento da televisão no Brasil impactou na cultura das rádios, e como estes profissionais do rádio foram importantes para construir a cultura da televisão. O literalmente “falando em retrospecto” do espetáculo é uma delicia de se ver, é uma experiência construtora.

A peça traz Natállia Rodrigues, Marcos Damigo, Nany People, Oscar Filho, Elam Lima, Ivo Muller, Camilla Camargo e Léo Stefanini. A nota é onze para o elenco, produção e direção.

 

Por Rodrigo Magalhães