Eu sou Vicente do Rêgo Monteiro


Você está jogando aquele famoso jogo de tabuleiro onde recebe algumas pistas e tem que adivinhar de quem a carta está falando. A primeira dica é “participou da Semana  de Arte Moderna de 22”; a segunda diz “é um dos principais  nomes  do  modernismo  nacional”; e  a  terceira  e  última  informa  que “ele é pernambucano”. Provavelmente você deve estar pensando em Manoel Bandeira, mas não, não é ele, estou falando de Vicente do Rego Monteiro. Sabe quem ele é?


Você está jogando aquele famoso jogo de tabuleiro onde recebe algumas pistas e tem que adivinhar de quem a carta está falando. A primeira dica é “participou da Semana  de Arte Moderna de 22”; a segunda diz “é um dos principais  nomes  do  modernismo  nacional”; e  a  terceira  e  última  informa  que “ele é pernambucano”. Provavelmente você deve estar pensando em Manoel Bandeira, mas não, não é ele, estou falando de Vicente do Rego Monteiro. Sabe quem ele é?

Nascido no ano de 1889, aos doze (1901) foi estudar arte em Paris, acompanhando sua irmã Fedora, também pintora.  Foi aluno das principais academias de belas artes parisienses, onde entrou em contato com artistas como Modigliani e Miró. Pouco tempo depois já estava expondo no Salón des Independents, sendo o mais novo artista a participar do evento.

Sua obra apresenta como principal característica o nativismo, retratando o cotidiano e fatos pertencentes à cultura e ao imaginário brasileiro. As telas passam a impressão de terceira dimensão, devido ao uso de técnicas de sombreamento e profundidade. Ele também foi autor de diversas poesias, que mesmo premiadas, nunca receberam a devida atenção pelo cenário literário brasileiro.

Apesar de ser reconhecido e respeitado no exterior, Vicente do Rego não conseguiu chegar ao mesmo patamar de respeito e admiração que outros companheiros da semana de arte de 22 em seu país natal, sendo inclusive, boicotado em alguns momentos de sua carreira, como afirma em um texto o crítico de arte Carlos Perkhtold, “Vicente era um monarquista. E defendia  firmemente  seu  ideal  político,  o  que  ia  de encontro com a mentalidade anarquista e comunista que predominava na classe artística”.

Talvez seu posicionamento político tenha sido um dos principais fatores para que os livros de história da arte diminuam sua participação no cenário artístico nacional, mas a sua contribuição é inegável. Sua obra apresenta fortes características naturalistas, retratando o cotidiano e alguns fatos pertencentes à cultura e ao imaginário brasileiro, como as lendas amazônicas utilizadas para ilustrar um livro francês, até figuras como o jogador de futebol Pelé. Mas ele também foi um grande poeta, que mesmo sendo premiado diversas vezes, teve sua obra mais uma vez desprezada.

“Quando Vicente surgiu em minha vida, foi uma paixão arrebatadora, depois de Da Vinci, ele foi o artista que mais me tocou”. Afirma a filósofa e amante das artes Karla Melo, ministrante do sétimo encontro das artes, realizado no auditório Manuel Bandeira da Livraria Saraiva Megastore, todas as terças deste mês de maio de 2009. Ela sabe bem o que diz. Estuda há algum tempo a vida e obra de Rego Monteiro, e, concordando com o poeta João Cabral de Melo Neto, afirma que ele é um inventor que apresenta em toda sua  trajetória a necessidade visível de ouvir, saber e  investigar, aglutinando como poucos, todos os sentimentos em uma obra.

As idéias para a realização do primeiro encontro surgiram depois de Karla se inspirar em uma  frase de Guimarães Rosa, que diz:  “Eu posso lhe dar o tronco da árvore, depois você viaja e vai pelos galhos”. E lá se foram seis troncos distribuídos para centenas de pessoas, sendo o sétimo tronco, dedicado justamente ao nosso ilustre modernista. Como ela o escolheu?  “Estava na hora  de  alguém mostrar  o genial  trabalho  de  Vicente,  foi  difícil,  seis  meses  de  estudos  para chegar até aqui, mas ver esta sala cheia com as pessoas saindo daqui tão interessadas quanto eu, é gratificante”, responde.


O ostracismo em que se encontra Rego Monteiro e sua obra, por consequência, foi um dos fatores que, ao mesmo tempo, dificultou e impulsionou a  escolha  dele  como  tema.  “Vicente tem  uma  frase belíssima que diz o seguinte:  ‘A vida é tudo que eu tenho. A vida e somente a vida. E é obre ela que estou construindo a minha arte’; Quer dizer, o maior desejo de Vicente é a arte em si, ele, ao contrário de muitos de seus contemporâneos, nunca se agregou à mídia, o que junto a outras questões, como a política, só o afastou do público”. E completa: “O maior erro de Vicente foi ir à Paris enquanto acontecia a semana de 22, qualquer artista que fosse expor lá, ficaria junto de suas obras, mas ele não, ele estava sempre seguindo em frente”.

Outro fator  que  pode  ter  ocasionado  esse  descaso com a obra de Vicente, é o visível bairrismo que impedia a valorização das obras que não “pertencessem” à paulistas. O crítico de arte Paulo Herkenhoff defende esta teoria, e chega a ir além quando, em entrevista para a Revista Continente, afirma que, sem Vicente  (juntamente com Villa-Lobos), Tarsila do Amaral não teria conhecido o Brasil. “Vicente era o artista brasileiro de mais bem resolvida obra  modernista,  além  de  caleada  em  sólida  pesquisa  de seus referentes indígenas”. Afirma Herkenhoff. Os referentes indígenas citados pelo crítico são confirmados pelo próprio autor, que assume a arte Marajoara como uma de  suas principais influências.

E é como um grande pesquisador de  arte  indígena que a pesquisadora e professora de arte, Flávia Costa, define Vicente. Ela ajudou a organizar a exposição comemorativa dos 110 anos dele na galeria Ranulpho, com releituras de três de suas obras feitas por crianças e adolescentes. Segundo  Flávia,  a  galeria  já  pensava  em  fazer  uma exposição  este  ano  com  as  obras  de  Rego  Monteiro.  Já sobre as telas escolhidas, ela afirma que  procuraram  as que  apresentassem  temas  diferentes,  que  eles  acreditavam dialogar  com o público  infantil.  “As crianças entravam em contato com as obras a partir do material confeccionado pela galeria e enviado para os professores”.

As obras escolhidas foram “Menino com bola”, “Ceramista”, “Vaso e cavaquinho”. Curiosamente as crianças mais novas preferiram a obra “Menino com bola”, já as mais velhas escolheram “Ceramista”. Mas “Vaso e cavaquinho” foi a escolha da grande maioria. Os estudantes participantes pertencem à escolas do ensino fundamental da rede de ensino particular. “Para a comissão julgadora, o critério mais importante não foi eleger os  trabalhos segundo o padrão acadêmico, e sim, trabalhos que buscassem captar o conteúdo ou a forma, elementos  cruciais  na  obra  do  artista”.  A idéia principal deste concurso foi de apresentar Vicente às novas gerações, aproximando assim dos jovens o artista que mostrou a Paris e ao mundo que o Brasil existia artisticamente. “Vicente era um artista trinitário, dominava a arte da poesia, artes plásticas e artes gráficas. Foi um pioneiro e uma figura singular nos idos do nosso modernismo”, afirma Flávia.

Mas é uma lástima saber que, se  estivéssemos jogando,  como  lá  no  começo  deste texto,  com  esta dica  ouviríamos  qualquer  resposta,  mas  dificilmente seria Vicente. Ao menos as iniciativas foram tomadas, os encontros levaram a obra de Rego Monteiro para centenas de pessoas que o frequentaram, assim como a exposição na Galeria Ranulpho, que acima de tudo, apresentou sua obra à uma geração que daqui a dez anos, provavelmente conhecerá o aniversariante mais ilustre do nosso modernismo.  E com toda certeza responderá corretamente quando indagados, quem é o artista representante do cubismo na semana de 22.

E para aqueles que se interessaram em conhecer mais à obra Vicentina, com a reabertura do Museu de Arte Moderna Aluísio Magalhães, localizado as margens do rio Capibaribe, na Rua da Aurora, encontra-se o maior acervo em museu do artista. Além de uma biblioteca com vasto material dedicado a vida e obra de Rego Monteiro e com pesquisas relacionadas a seus irmãos, Fedora e Joaquim do Rego Monteiro – também representados no acervo da instituição.