Uma obra literária, assim como qualquer obra de arte,não se resume apenas a um apanhado de técnicas, muito pelo contrário, para que sua produção se processe entra em cena a influência exercida pelo contexto socio-histórico.
É, dentro de tal, perspectiva, que qualquer texto, sobretudo o literário,não deve ser visto como um mero encadeamento de palavras que apresenta um sentido mais ou menos calculado. Em contrapartida,a obra literária deve ser analisada tendo-se em vista que esse tipo de construção nunca está completamente acabada do ponto de vista dos sentidos que pode transmitir, uma vez que por enquadrar-se como um produto artístico,os recursos técnicos utilizados em sua construção, proporcionam ao leitor acionar sua memória discursiva,o que torna a obra inesgotável do ponto de vista do sentido.
A partir das reflexões feitas anteriormente , buscamos apontar acerca do livro O Retrato de Dorian Gray, cuja autoria pertence ao irlandês Oscar Wilde, sendo originalmente lançado em 1890.A obra conta a história de uma jovem detentor de extrema beleza que encantava a todos que o conheciam.A narrativa se situa na Londres do século XIX, tendo como ponto central o fato e que à medida que Dorian Gray mantinha-se jovem, o seu retrato pintado pelo pintor que também era seu amigo Basil Hallward,envelhecia.Um outro personagem importante no desenrolar da trama é o hedonista e sarcástico Lorde Henry, que no decorrer dos acontecimentos irá influenciar fortemente o caráter de Dorian Gray.No transcorrer da narrativa,também são tratados temas como efemeridade da beleza, arte, e valores morais, tendo como pano de fundo as tendências artísticas inscritas no século XIX.
Prosseguindo na leitura do texto, é possível perceber uma reflexão acerca do poder que a arte exerce sobre o cotidiano, ou seja, sobre a sua capacidade de mimetizar a realidade.No livro em questão, o que foi dito anteriormente pode ser melhor esclarecido se levarmos em conta o fato de que a partir do olhar do pintor, Basil Hallward, e de sua capacidade de captar de captar realidade, no caso,a beleza de Dorian Gray, o produto resultante de tal ação passa a ser apreciado como algo já mimetizado, uma vez que o artista capta o cotidiano a partir de uma ótica dotada de uma maior sensibilidade.
Um outro ponto importante a ser salientado é que o texto dialoga com o discurso clássico, de acordo com o qual o Hedonismo alcançado por obra da intelectualidade seria a solução para o puritanismo em que vivia a sociedade da época .Ou seja, por meio das marcas textuais somos levados a acionar nossa memória discursiva para construir o sentido do texto.Desse modo, , fica claro, conforme assinalou o estudioso Mikail Bakhtin, que todo discurso está embebido do discurso de outrem.
O livro em questão , em consonância com as tendências artísticas predominantes durante o século XIX, a saber, o Realismo que procurava trazer à tona os aspectos negativos de certas instituições sociais e quebrar paradigmas no que diz respeito a alguns estereótipos presentes na sociedade da época. É,tendo em vista tal perspectiva, a construção da imagem feminina se dá a partir de uma ótica diferenciada, de acordo com a qual a mulher não é vista como um ser frágil, muito pelo contrário, em algumas passagens da obra certas figuras femininas,como por exemplo, a duquesa Gladys, que mostrava-se como um ser pensante, capaz de arquitetar situações.A personagem em questão não enxerga o casamento como uma “saída feliz” capaz de resolver todos os problemas, mas sim, como uma instituição, que assim como qualquer outra possui seus aspectos negativos.
Em suma, é possível observar que muito embora uma obra literária seja produzida em consonância com o contexto sócio- histórico em que se situa, tais discursos não são estanques entre si.Ou seja, os discursos podem ser retomados e reformulados ao longo do tempo, caracterizando, assim, um clássico, já que, desse modo, permanece sendo sempre atual.