A cultura de cangaço, sertão, pobreza e prostituição costumavam ser tema de filmes pernambucanos. Dos anos 90 pra cá, essa idéia folclórica desmistificou com a nova safra de cineastas dispostos a criar roteiros menos clichês. Hoje é possível ver nas telas do cinema um Pernambuco mais pop.
Luiz Botelho. Professor de Literatura, 39 anos, nasceu em Barbacena, Minas Gerais. Ele assiste em torno de doze filmes por mês que vão de Buñel a Sexta-feira 13 e quando se refere ao cinema nacional, prefere os de Glauber Rocha. Ele não curte muito filmes nacionais por achar que são cheios de “favelas, dramas chorosos, comédias pasteurizadas, cheios de atores globais”. Apesar dessa visão, Luiz reconhece a qualidade da produção do cinema pernambucano e enfatiza “Eu conheço Baile perfumado e achei bem diferente dos filmes de hoje que são feitos no Brasil, o que foi bem interessante.” O que o levou a assistir o Baile foi a curiosidade em conhecer as cenas reais de Lampião, além da trilha sonora composta por cantores da atualidade, tornando um misto de histórico passado X música moderna, que para ele, tornou-se um “deleite” aos ouvidos.
O Baile perfumado (Paulo Caldas e Lírio Ferreira -1997) foi um filme de tão grande importância para o cenário cinematográfico nacional, que até pessoas como Luiz – que a princípio nem gosta muito de filmes nossos – já assistiram ou ao menos, ouviu-se falar. Para jornalistas, críticos e cineastas pernambucanos como Kleber Mendonça, Leo Lacca, Marcelo Lordello, Silvana Marpoara, o Baile ganha disparado na disputa do melhor filme já reproduzido em Pernambuco nos últimos anos e sem dúvida, o responsável pelas mudanças culturais de se fazer cinema. Aliás, o cinema pernambucano tem se destacado dos anos 90 pra cá, com essa nova geração de cineastas dispostos a mudar essa cultura de cangaço, de sertão e de misturar esse folclórico, até porque eles têm uma característica própria, mais urbana, mais pop e variedade incrível de estilo de abordagem.
Mas, o que faz do cinema de Pernambuco um cinema pernambucano? Pernambuco representa Pernambuco?
Para o cineasta Leo Lacca, os nossos filmes têm esse potencial muito grande em termos estéticos, porque é um sistema variado “Sinto que existe uma questão de autoralidade muito presente nos filmes pernambucanos, sejam eles de uma geração mais antiga ou da nova e eles dialogam nesse sentido, sabendo que tudo depende do autor no foco para temas sertanejos ou urbanos”.
Segundo Lacca e seu parceiro de trabalho Marcelo Lordello, é exatamente isso que ocorre. O Brasil ganha muitos prêmios lá fora, muitos dos filmes são pernambucanos, como exemplo “O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas” (2000), que no ano da estreia, foi o único representante brasileiro no Festival de Cinema de Veneza. Mas eles não têm a mesma força quando exibidos aqui. O cineasta explica que o público e a sociedade em geral funcionam muito a partir de mercado. Tudo que é massificado tem um alcance muito grande e o nosso cinema nunca teve uma experiência de massificação. Nosso modo de fazer cinema talvez dialogue mais com a Nouvelle Vague francesa do que a Hollywoodiana que na maioria – e quase sempre – faz filmes para vender e só.
O cineasta e também crítico de cinema, Kléber Mendonça Filho, afirma que o cinema de Pernambuco sempre foi curta e longa-metragem e mesmo nos longas, ele não tem perfil de filme comercial, por isso, é normal que a maioria das pessoas não conheçam esse cinema que ele chama de “mais especial”. “Felizmente existem mecanismos no meio do processo como jornais, revistas e a crítica. Todos eles têm um sistema de valor, pois dão valor ao cinema.”
A indústria
Ainda não se tem uma indústria voltada para o cinema porque é muito caro fazer filmes e com isso não existe a mesma quantidade de filmes que os americanos, que dominam o mercado mundial. Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes, foi feito com R$ 2 milhões, mas o “lucro” dele foi em torno de R$ 40 mil e Árido Movie, de Lírio Ferreira, teve orçamento em torno de R$ 750 mil. Já Amarelo Manga, teve um orçamento de R$ 500 mil e apesar do baixo custo, foi premiado nos Festivais de Brasília e de Berlim.
Segundo Kleber, o cinema pernambucano precisa abrir mais porque faltam filmes. Por exemplo, a “Balsa” (2009. Marcelo Pedroso), não é um exemplo melhor porque é um filme difícil, mas o fluxo de filmes pernambucanos precisa aumentar para gerar essa prática de lidar com cinema pernambucano. “E é interessante também que o cinema não fique um cinema que eu chamo de “gueto”. Infelizmente o cinema da fundação é um gueto, só vem aqui quem realmente adora cinema”. Para ele, o cinema se dissipará mais, quando tiver um alcance maior e trafegar em todos os lugares, mas nunca sem perder sua estética que é preponderante na hora de se escolher um bom filme.
Lacca acredita que ainda há um olhar pré-moldado sobre a cultura pernambucana e isso acontece porque o que está sendo feito talvez não esteja suprindo essa visão. “O cinema pernambucano é conhecido como visceral, onde aparecem pessoas transando enquanto, matam um cachorro e o crucificam. Tem essa questão do cinema selvagem, mas é um estereótipo”. E ele afirma também que a geração de Amarelo Manga, Árido Movie, Deserto feliz, são diretores que dialogam muita com a geração dos outros longas porque eles tiveram um início de carreira muito parecidos, mas essa imagem está mudando aos poucos porque cada dia mais, novas pessoas se oferecem para fazê-lo.
Ainda sobre a produção do cinema feito em Pernambuco, Lacca admite que o cinema brasileiro vive uma crise porque eles (cineastas) fazem filmes e o público não vai assistir, não vê os filmes que a própria cidade produz porque está acostumado com uma linguagem hollywoodiana. Para Lacca, o que é que se faz? Imita Hollywood e esse não é o caminho, tendo em vista que nosso Estado tem uma identidade cultural muito forte. Talvez mais do que estética, essa seja uma questão de políticas públicas. “Tem também a questão dos distribuidores, que exigem cartaz como homem-aranha, por exemplo. É tudo questão de dinheiro, conclui.”
Um bom exemplo para enxergar a estética pernambucana, segundo Kleber, é assistir Amarelo Manga (2003) e Baixio das bestas (2007), ambos de Claudio Assis. Para ele, Amarelo manga é interessante porque é o filme mais próximo da realidade. “Quando a gente liga a TV, é mais fácil vermos Ipanema, Copacabana. A gente não ver Recife. E amarelo manga pra mim é como se fosse uma novela pernambucana, onde tem chifre, tem sexualidade, tem de tudo. Só que é meio violento, mas essa dramaturgia é a realidade nossa”. Já se falando em Baixio das bestas, ele acha que o filme é meio de horror, de poucos amigos, porém interessante. “Se você for pensar no que a mulher de baixa renda sofre… esse retrato é importante para reflexão”.
Kleber acha importante que o Estado tivesse uma novela pernambucana, gente falando sua própria língua, sem sotaques cariocas, sem esteriótipos pasteurizados como se tem hoje e acredita que a cultura iria deixar de ter uma imagem monocultural e propagar o que há de bom e belo pelas nossas cidades. Que o cinema daqui estar cada vez mais em moda, isso já se sabe. Resta agora fazer com que o grande público tome gosto pelos filmes de arte, filmes daqui. E que venham mais adeptos, pessoas do mundo inteiro, como Luiz, o primeiro personagem dessa história, que mostrou que o cinema pernambucano é mais do que de Pernambuco. É simplesmente um verdadeiro cinema!
O cinema
O cinema pernambucano não é mais simplesmente um cinema feito no Estado ou por diretores e equipe local. Hoje, identifica-se não pela produtora que assina o filme como pernambucano, mas sim, através da história do filme, pela linguagem, sotaques e até pelo ponto de vista. Tem-se como exemplo Erick Laurence, que é cearense, faz filmes aqui e é considerado pernambucano. Tem também o Árido Movie de Lírio Ferreira, que foi feito por uma produtora do Rio de Janeiro, mas é conhecido como filme pernambucano e o contrário serve para o filme Cartola, que é totalmente carioca, porém, feito por dois diretores de Pernambuco. Então há toda uma tradição no cinema realizado por aqui, desde os anos 20 com filmes como Aytaré da praia, depois a época do Super 8, até a retomada do Baile perfumado, que abriu uma nova temporada de produções.
A jornalista, produtora cultural e especialista em cinema pernambucano, Silvana Marpoara, confirma a ideia de que existe um cinema com característica própria, mas que ela é variada. Para ela, graças à realização de inúmeros festivais de cinema pelo país, que são mais de 100, toda capital tem sim uma mostra da produção audiovisual da sua região. Com isso, é cada vez mais comum ver filmes da Bahia, Paraíba… E Pernambuco é que realiza um dos mais importantes festivais do país – o Cine-PE, que chega a atrair mais de 3mil pessoas por noite. “Por isso acho importante denominar o cinema local e ver que nossos filmes são exibidos além das telas do Estado e às vezes com até mais sucesso.” Com toda essa grandeza de espetáculos cinematográficos, poderia dizer que é só mais uma megalomania pernambucana, mas a jornalista conclui em risos: “Temos mesmo essa questão de superlativar tudo e no cinema não seria diferente!”
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