Drogas Sociedade e Cultura

 

O Lícito e o Ilícito em Pauta

 

 

De um ponto de vista estritamente sociológico e antropólogico, por que a distinção entre drogas ilícitas é menos relevante do que o ponto de vista jurídico? Formular e desenvolver explicações para o fenômeno das drogas na modernidade exige e agregam vários ângulos de visões científicas. Nessas incensáveis buscas duas ciências ultrapassaram as barreiras do lícito e ilícito. A sociologia e a antropologia.Contudo, para compreendermos como se deu a construção do conceito “lícito e ilícito”, é necessário ir mais além e utilizarmos outras ciências como fontes.

Para o Sociólogo e Antropólogo, Eduardo Viana, a origem desse conceito passa inicialmente pela sua etimologia. A palavra drogas pode ter várias origens, porém a mais aceitável é “droghe vate “- palavra holandesa que significa barris de coisas secas -. Sendo registrada no século XIV, provavelmente nas cruzadas, no contato direto com os europeus. O autor Eduardo Viana, ainda relata que os primórdios das drogas estão diretamente ligados as suas diversas “etapas” que são: a loucura das especiarias; alquimia e anatomia; dieta onírica; os alimentos-drogas (alimentos de luxo); e em fim, a invasão farmacêutica. Dessa forma a partilha moral de lícito e ilícito contemporânea a esses processos relatados pelo autor, quando houve uma negação do uso de outras ou o uso não regulado dessas substâncias.

Essa evolução generalizou e aplicou diversos valores dentro das variadas sociedades. Sobrepondo e descaracterizando os valores culturais na qual cada indivíduo estava inserido, tornando o uso de certas substâncias ilegais de um modo geral.  No ponto de vista do direito, essa partilha é mais relevante porque é um campo normativo que precisa da separação e do entendimento do que é lícito e ilícito para compor suas regras. Ainda que o direito não seja deslocado dos outros componentes sociais, os argumentos usados em relação às drogas parecem ser arcaicos – são fundamentados em discursos de religiões predominantes.

Somando a isso, o que o interecionismo simbólico descreve de cruzados sociais, está o discurso médico. Explicações essas que estão diretamente ligadas à preservação da vida. Um bem inalienável para o direito moderno, assim a droga se torna uma ameaça a vida e um afronto a legalidade.  É válido salientar, que países de grande poder econômico e militar com grandes influências em instituições de importância global como a ONU (Organizações das Nações Unidas), tem concatenado esses conceitos com as legislações de países não só centrais como também periféricos. 

Diante disso, fica explicito que o ponto de vista do direito esquece que o fenômeno da droga, apesar de ser geral possui um caráter local com especificidades socioculturais que desvinculam as drogas de associações pejorativas, tais como: a ligação do consumo de drogas ao crime; comportamentos desviantes; recreações aventureiras; e o rompimento de normas.

No entanto, a sociologia e a antropologia buscam soluções e explicações mais rebuscadas com bases empíricas, agregando várias visões para uma melhor interpretação. Valendo-se de métodos dissociados dos valores predominantes e contemplando os valores originais para certas substâncias, tais como: o uso da droga para a ligação com o sagrado; e tratamentos medicinais.

Por isso a relevância entre o lícito e ilícito, para o uso de drogas quando comparado o direito e as ciências “antropologia e sociologia”, é menor porque não se preocupa com caráter normativo – buscando a explicação através de uma epistemologia da droga. A procura dos sedimentos abstratos que fundamentam o uso das drogas.

As principais explicações para as fortes reações morais societárias, em relação ao uso de drogas lícitas e ilícitas na contemporaneidade.

As fortes reações societárias na contemporaneidade têm suas construções históricas recentes. Podemos verificar alguns pilares dessa edificação, alguns cruzados morais tais como:

  • O Discurso Americano ou Americanização das Políticas de drogas; Os Estados Unidos da América, com sua forte influência tem disseminado suas ideias contra o uso de drogas. Para isso, negociou com outros países utilizam do seu poder econômico financiando alguns países para que reduzam sua comercialização e consumo de drogas.
  • O discurso médico; Parte do principio que “vida boa é vida longa”, e que o uso de drogas seja ela, lícita ou ilícita diminuem potencialmente o tempo de vida dos indivíduos. Tendo dessa forma maior relevância dentro das sociedades.
  • O discurso religioso; A religião tem fundamental importância na construção da moral de uma sociedade. Na contemporaneidade, apesar de surgirem muitas religiões, as religiões predominantes não diminuíram sua influencia. O discurso religioso sempre associa o uso de drogas a busca intensa do prazer, algo que o individuo deve abnegar-se.
  • A tradição; Existe uma tendência de se fazer objeção ao novo. Os valores tradicionais formam uma barreira contra o uso de determinadas substancias por não fazerem parte dessas tradições.
  • O estado; Com a divisão entre lícito e ilícito, mercados alternativos foram sendo criados para as drogas ilícitas. Com isso o estado onera os custos para o combate a esses mercados ilícitos e por ser ilegal não arrecada impostos desses “produtos”. No caso das drogas legais, há um discurso contextual de que os custos com a saúde, acidentes de trânsito e mortes por conseqüência do uso/abuso dessas diversas drogas, custam muito mais ao estado do que este arrecada com impostos.

Esses estigmas sociais, implementados por essas diversas categorias de agências, elevaram o uso de certas substâncias a categoria de crime. Portanto, o uso de drogas na contemporaneidade é entendido como crime, se não legal ao menos moral, bem ao modo durkheimano.
Como o uso de drogas remete ao crime, e como o crime é anômico exige uma reação social. Essa reação aumenta a solidariedade, reafirmando e disseminado valores tradicionais, agregando mais indivíduos nesses processos.. Esses momentos de efervescência social, estimulado em boa parte pela mídia atual, que funciona como um outro pilar por conseguir abranger grande quantidade de indivíduos, mobilizando-os contra o crime de uso ou abuso de drogas, revelam esses arcabouço moral estruturante dessas fortes reações.

As relações entre drogas ilícitas e globalização da economia

O fenômeno das drogas é de fato um fenômeno moderno. E como tal não deve ser dissociado dos outros processos sociais vivenciados na modernidade. Existe uma relação direta entre drogas ilícitas e a globalização da economia. As drogas são hoje motivos de pacotes de políticas internacionais, apesar da diminuição ou estabilidade do consumo de algumas drogas tradicionais, no último relatório da ONU foi constatado um aumento do uso de outras drogas alternativas.  

A universalização das drogas tem posto em cheque soberanias nacionais, e as drogas ilícitas viraram uma grande atividade econômica informal, umas das mais rentáveis e eficientes da indústria moderna, em todo o mundo globalizado. Esse novo mercado de cocaína, por exemplo, movimenta 50 bilhões de dólares por ano e esses novos avanços tecnológicos desenvolvidos no sistema capitalista global facilitam o desenvolvimento da indústria das drogas, assim como seu consumo massificado.

O mercado de droga se encaixa em todas as regras do mercado atual, oferta e procura; produção em série; custo da produção inserido ao produto final; distribuição; mercado consumidor (interno e externo); importação e exportação; regulação estatal; regulação pela concorrência e etc. Portanto, compreender o fenômeno das drogas requer uma analise através das lentes da globalização. A droga tem hoje uma lógica desde a sua produção até a utilização. Essa nova ordem alinha-se a nova ordem social, os novos significados sociais foram incorporados a “droga”. 

Diante disso temos como elemento crucial o tráfico de drogas, como para outros produtos a produção em países periféricos são mais baratas, por condições climáticas, ou por leis mais brandas e menor fiscalização, esses países ficam responsáveis pela produção. Destaca-se a America latina e alguns países asiáticos como grandes produtores, sendo que os epicentros do destino dessas drogas continuam sendo os EUA e a Europa, pelo seu poder econômico. Fica exposto que o trafico passou a ser organizado tornando-se o que Michel Misse chamou de mercadoria política. Esse tráfico revela- se com um conteúdo intrínseco a globalização que é de fundamental importância para sua sobrevivência e circulação.

A globalização não somente rompeu as barreiras para circulação de produtos legais, como abriu também para os produtos ilegais também. Criando rotas de “livre comércio” e crime sem fronteiras. No entanto, os problemas provocados pela globalização são percebidos no que se diz respeito às drogas. Esse mercado globalizado revela não só uma circulação de mais um produto, mas a predominância de culturas de países desenvolvidos, forçando uma produção em países periféricos para alimentar um uso cultural distorcido do original em relação a essas sociedades.

É valido ressaltar, que o tráfico gera uma desorganização social, vitimando muitos indivíduos e os estigmatizando várias sociedades, gerando uma dependência da produção e comercialização desses produtos. Com isso, esta exposta que as drogas são de um subproduto da globalização servindo para a manutenção da ordem social, gerando “benefícios”, para alguns e gerando “malefícios” para outros, e que revelam a distribuição do poder global.