Dom Angelo

Entrevista com o músico Dom Angelo
Atualmente um dos músicos mais versáteis de Pernambuco, o guitarrista e violonista Dom Angelo exprime suas opiniões nesta entrevista


Entrevista com o músico Dom Angelo
Atualmente um dos músicos mais versáteis de Pernambuco, o guitarrista e violonista Dom Angelo exprime suas opiniões nesta entrevista



[Revista Click Rec] O início foi Punk-Rock. Depois as composições próprias mesclando MPB e literatura. Depois as várias vertentes de um trabalho de releituras. Por que só agora jazz?

[Dom Angelo] Meu caminho para o jazz se deu de uma forma totalmente intuitiva. Sempre me pareceu  divino o ato da improvisação. A criação/composição instantânea de melodias, progressões harmônicas, minúcias musicais sempre me apeteceu.
De fato precisei também aprimorar minha técnica e meus estudos para a execução de obras jazzísticas. Como você disse, comecei pelo punk, passei pelo hard-rock, rock progressivo, pela Mpb, pelo violão solo erudito para poder chegar no Jazz.

Os estudos dentro de uma Universidade podem mudar as concepções musicais das pessoas, ou isto já vem de dentro de casa? Quais as coisas que mais influenciaram seus pensamentos para se tornar um musicista?

Vontade e impulso vieram naturalmente. Acho que foi meu karma. Estava escrito.
Mas entre o percurso do querer “ser” e do “tornar-se” existem muitas variáveis. Acho que o “tornar-se” também se acrescenta as influência externas. Minha família teve papel decisivo no apoio para minha profissionalização em música. Meus amigos sempre me ajudaram a acreditar que era possível ser músico no Brasil.

Quando falamos de Recife, a grande maioria das pessoas tem orgulho de dizer que a “cena musical” daqui é fortíssima em termos de criatividade, dos vários surgimentos de novos valores e, principalmente dos grandes “medalhões” que temos. Eu penso de um modo diferente do que a grande maioria. Particularmente, acho que há tempos não existem tantos medalhões, tantas coisas tão boas quanto afirmam e nem tanta criatividade nas criações musicais. Dom Ângelo pensa o que sobre isto?

Acho que a música pernambucana é a responsável por ditar e/ou guiar os rumos artísticos da contemporaneidade musical brasileira. Não necessariamente é a que mais funciona pelo olhar do mercado fonográfico (Rio de Janeiro), do profissionalismo (São Paulo) e da gestão empresarial (Bahia).

Pernambuco é a efervescência intelectual. Nós criamos a marca, os cariocas lançam como produto e os paulistas ganham dinheiro em cima.

Tem que ter alguém que para tudo para “pensar”.

Quais as maiores dificuldades de se fazer música em Pernambuco? O eterno saudosismo musical pernambucano, ou a falta de vontade de se aceitar algo novo?

Na verdade acho que a maior dificuldade de fazer música em Pernambuco é fazer música de “qualidade”. Mesmo que numa certa ótica, em qualquer lugar do mundo seja.

A população daqui ainda não está educada musicalmente, não desenvolveu o lado artístico do cérebro para apreciar a busca da criatividade do seu próximo. Não temos a educação erudita dos europeus. O povão quer entretenimento e não arte. A massa não quer se questionar. Quer ser guiada pela indústria consumista, ser levada com a maré.

Grande parte dos músicos nacionais hoje em dia, possuem os famosos projetos paralelos, pela grande dificuldade de aceitação de trabalhos próprios. Você é fundador e fez parte de um dos melhores daqui de Recife, o Seu Chico. Até onde se deve investir numa coisa que não é própria?

A banda Seu Chico é um projeto de entretenimento. Foi pensado desde o início para se ganhar dinheiro. Trabalho braçal. Apenas transformamos as músicas de, quiçá, o maior compositor brasileiro de todos os tempos em algo dançante pro povo beber nas baladas e paquerar. Mesmo tendo a honra de tocar “Chico Buarque”, querendo ou não com um “pé” no artístico, foi uma jogada de marketing.

Se você tem interesse em se inserir no “sistema”, na mídia, mesmo que sua finalidade seja posteriormente ter seu espaço galgado para mostrar sua arte, você tem que entreter o povo.

São raríssimos os casos de artistas que conseguem com seus trabalhos autorais, com a finalidade de mostrar sua arte, sua música, conseguir espaço no mercado mainstream fonográfico.

Música e espiritualidade caminham juntas? Você crê nisso?

Não creio, eu sinto. Já tive maravilhosas experiências, principalmente com o jazz, com a percepção do espaço/tempo. A mente vai e volta, ora rápida ora lenta, mostrando que o tempo não é absoluto, mas relativo. Um transe. Pra mim isso é espiritualidade.

Você tem alguma idéia de quais foram os seus primeiros contatos com a música? Foram eles que te fizeram decidir seguir este caminho para se tornar um músico profissional?

Um momento marcante pra mim, talvez meu primeiro contato intenso com música, foi com poucos anos de idade, em torno de 4 ou 5 anos, sentado numa cadeira de balanço no colo da minha mãe escutando o disco “Raça Humana” de Gilberto Gil.

Eu percebia que meus coleguinhas da escola e da vizinhança não tinham o mesmo prazer e não davam a mesma importância que eu dava para música.

Não sei se esses episódios me fizeram decidir pela música ou se já eram parte do caminho.

Misturando um pouco de política e música. O que você acha que falta na política pública para melhorar a situação dos músicos no país? Ainda falta apoio? O que mudou em termos de visão musical depois do Governo do PT?

Sem dúvida de um tempo pra cá a lei de incentivo a cultura vem dando um bom apoio e suporte financeiro para pessoas no ramo das artes.

Na gestão PT, ganha o artista que valoriza a cultura da sua terra e que busca por contribuições sociais.

Diferente da gestão dos partidos de direita, que por pouco não faliram nosso estado e transformaram Pernambuco no carnaval da Bahia (Recifolia).

Claro que tem muito que melhorar, principalmente na fiscalização de trabalho, visto que amadores tomam o espaço de quem trabalha profissionalmente com música e desfalca o mercado de trabalho.

Mas sem dúvida o programa de apoio a cultura do PT já foi um grande primeiro passo para melhorias que ainda estão por vir.

A questão da música própria é ainda um grande mistério no Brasil. A mídia nos joga o que quer, do jeito que quer e quando quer. Geralmente, em 90% dos casos, são músicas de péssimo gosto, mas que por intermédio do famoso “jabá”, vinculam em todos os canais de divulgação. Como músico, você acha que o maior problema está na educação do povo ou apenas na vontade de se fazer dinheiro em cima de pessoas inocentes? Até onde o “jabá” influencia?

Claro que a mídia impõe certos comportamentos. Às vezes ruim, às vezes bom. O problema é que as pessoas sem conteúdo cultural consomem diretamente, sem filtros, tudo que vos é apresentado. Esse é um problema que sempre existiu e sempre vai existir. Povão é povão desde que a sociedade moderna começou a se delinear. E se tudo isso é um mercado capitalista onde o que importa é lucrar, é óbvio que a grande parte desse produto a ser comercializado vai ser o que o povão quer. É um ciclo vicioso.

Com a crise que já afeta a indústria fonográfica, e a facilidade que se tem de criar músicas até mesmo em casa, qual o rumo que a música deve tomar? Você é a favor dessa história de gravações com recortes, efeitos, colagens, etc…ou ainda se considera um membro da “old school”, que não se imagina fora de um estúdio para trabalhos e gravações?

A internet foi a ferramenta que o homem moderno inventou para se proteger dele mesmo. Imagine quanto estaria o preço de um disco se não fosse a web ou a pirataria. Foi um “mal” necessário para a indústria e para o consumidor.

Excesso de informações e conteúdos tem o seu lado bom e seu lado ruim. O bom é que temos acesso a muitas bandas e artistas que provavelmente não conheceríamos sem a internet. O ruim é que pela facilidade de gravação e divulgação, está espalhado por aí muito lixo na rede.

Quanto aos recortes, efeitos e colagens, isso sempre existiu no processo de gravação. Não entendo do que as pessoas reclamam. O Pro-tools só veio para ajudar e acrescentar.

Apesar de que no disco da “Dom Angelo Jazz Combo” fiz questão de que fosse gravado tudo “ao vivão” sem recortes. Para captar o clima de Jam session e de espontaneidade jazzística.

Quando você compõe, você compõe pra quem? O artista compõe para si mesmo, ou isso tudo não passa de conversa fiada?

Depende da linha de composição que esteja sendo feita. Nas músicas instrumentais que estou começando a inserir no meu grupo de jazz como nas peças para violão solo, são melodias ou progressões harmônicas que vem na minha cabeça que após compostas, homenageio alguém da minha família ou amigo ou minha mulher.

Nas poucas composições com letra que fiz e que faço, penso em situações do meu cotidiano como espelho para a determinada música.

Qual a importância para o músico profissional em ter um(ns) instrumento(s) de qualidade? Isto é essencial?

Estabelecendo um paralelo, é o mesmo que um piloto de Fórmula 1 ter um bom carro. Pilotos geniais com carros medianos já foram campeões. E pilotos medianos com carros poderosos e arrojados também já foram campeões.

O essencial é o talento de quem toca. Mas onde se toca também é fundamental.

Os artistas em si, possuem fama de farristas, boas vidas, e derivados afins. Pensando deste modo, gostaria de te perguntar algo. Você tem o seu buteco de fé? Ou a boa companhia e a cerveja gelada resolvem o problema, independente de local?

Cerveja gelada é ótimo, mas gosto mesmo é de um whiskyzinho (risos). Tenho vários lugares que gosto de ir. O bar Central, O Boratcho na Galeria Joana D’arc, o Largura em Casa Forte, o bar do Seu Vital no Poço da Panela, etc. Apesar de que isso tudo sem a boa companhia dos amigos não vale de nada.

Mas não sou de “afogar” as mágoas no álcool não. Meu lugar de resolver os problemas é no psicanalista.

Você atualmente tem um projeto de jazz de muita qualidade ainda baseado em releituras. Por outro lado tem um trabalho de composição para violão solo interessantíssimo. Quando virão as primeiras composições para a Dom Angelo Jazz Combo? O projeto próprio para violão ainda é experimental? Quais as novidades e planos do músico Dom Angelo?

No disco de estréia da Dom Angelo Jazz Combo já terá uma música minha. Chama-se “27 de Setembro”, esta foi gravada em estúdio nesta mesma data e é uma homenagem a minha irmã que faz aniversário neste mesmo dia. Quem quiser conferir com antecedência ela está no meu myspace. Aos poucos estou inserindo composições jazzísticas nesse meu projeto.

Meu trabalho de violão solo, inicialmente foi pensado para fins acadêmicos. São composições de peças simples contemporâneas, onde eu iria lançar o cd junto com o livro de partituras. Ainda não finalizei o trabalho mas futuramente vou lançá-lo.

Você acha que assim como na maioria das outras profissões, os músicos tem que fazer planos a curto, médio e longo prazo? Esta seria talvez uma nova visão de “músico moderno”?

Todo bom profissional precisa ter planos a serem executados. Em qualquer ramo é preciso organização e planejamento para se atingir objetivos.

O que acontece hoje em dia é que as pessoas deixaram de ter uma carreira a seguir. Não se vê mais a beleza que é um profissional ir crescendo no mercado de trabalho e amadurecendo suas atividades até que se construa um caminho sólido.

As pessoas odeiam trabalhar. O que elas querem é ganhar dinheiro. E pra isso, buscam mamar na teta do governo buscando essa explosão de concursos públicos.

Se eu te pedisse 3 nomes do jazz, 3 da MPB e 3 do rock n´roll e suas diversas vertentes. Quem sairia como as maiores inspirações? Acho injusto apenas pedir um.

Como sou considerado por muitos um músicos versátil, de fato já toquei esses estilos e tenho meus artistas preferidos. Mesmo sendo uma missão muito difícil escolher apenas três de cada. Se fosse um seria até mais fácil…mas vamos lá, a votação de hoje é:

Do jazz: Miles Davis, The Dave Brubeck Quartet e Wes Montgomery.

Da mpb: Chico Buarque, Caetano Veloso e Chico Science & Nação Zumbi.

Do rock: The Doors, The Smiths e The Beatles.