Há muitos anos, em uma tribo indígena, uma jovem índia acordou-se pela manhã se sentindo grávida. A notícia logo se espalhou pela tribo, e niguém escapou a desconfiança do cacique. Teria sido o homem branco? Com o tempo a barriga cresceu, e o pai da índia ainda estava inconformado. Porém, nunca ninguém soube quem era o pai da criança.
O que se sabe, é que nove meses depois nasceu Mani. Branca como a neve, a menina trouxe alegria para a tribo, enchendo de esperança o povoado. Mas toda essa felicidade durou pouco. Mani, quando fez um ano morreu. Os índios choravam dia e noite na sua cova. E a mãe, cheia de saudades, regava todo dia o lugar. Foi aí que nasceu uma planta vistosa, com raízes grossas e de carne branquinha, que poderia alimentar muita gente. E dessa planta sagrada veio o nome Manioca (casa de Mani), ou, como conhecemos hoje, mandioca. Lendas a parte, a mandioca foi a base primeira de toda a alimentação dos nativos, sendo o alimento cultivado mais antigo do Brasil. É também a grande aquisição indígena no glossário pernambucano de sabores. A certa altura de seu livro, História da Alimentação do Brasil, o sociólogo Câmara Cascudo sentencia: “A raiz que alimentava o brasileiro é a mandioca”. Já o catequizador Padre Antônio Vieira, afiançou “É o pão da terra”. As ideias apontam para um mesmo lado: não se concebe o pernambucano e sua cozinha sem a mandioca.
Categoricamente, a raiz tem sua origem na África do Sul, não se sabe como chegou por aqui. E o que a ciência desconhece a lenda explica. O que se sabe, de fato, é que depois de seca e processada, era – e continua a ser – transformada em dois artigos de primeira linha na alimentação nativa: farinha e beiju. E está aí, há pelo menos cinco séculos na mesa pernambucana.
“Fraca, incompleta, irregular, defeituosa, subalterna, inferior, com tantos títulos de libelo acusatório, a mandioca, rainha do Brasil, continua inabalável no seu trono”, palavras de Cascudo. O folclorista tinha razão, claro. Comum, barata e acessível, a mandioca sempre foi vulgarizada devido ao uso cotidiano. Mas ainda não encontrou rival a altura, para deleite na mesa. Aqui, fez um casamento maravilhoso com o charque, relação que ninguém separa. Seu sabor neutro faz convite a várias guarnições. Nos mercados do Recife, por exemplo, come-se macaxeira com guisado, carne de bode, carne de sol – além de saboroso, é também boa pedida para cerveja gelada. Versátil, é ingrediente para vários outros pratos: escondidinho de charque, bobó de camarão, em porções fritas acompanha o peixe frito na beira da praia.
Nas outras refeições a raiz também se faz presente, até meados do século 20, o comum era comer beiju e tapioca no lanche da tarde. No jantar, pirão era o prato – vinha em uma espécie de mingau quente de farinha em algum caldo de carne. Pirão, aliás, considerado por Gilberto Freyre, “o mais brasileiro dos pratos”. Na falta do pão velho, com qual faziam suas assordas, o português usa a farinha de mandioca para engrossar caldos provenientes do cozimento de carnes. Come-se pirão em todo o Brasil. Em poucos lugares, tão emblematicamente como em Pernambuco.
Por Eduardo Sena – Colunista da Revista Click Rec