A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.265, em setembro do corrente ano, trouxe novo marco para a interpretação da cobertura assistencial dos planos de saúde, em especial quanto aos tratamentos e procedimentos não constantes do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A controvérsia surgiu a partir da alteração promovida pela Lei nº 14.454/22, que havia incorporado ao texto da Lei de planos de saúde (LPS) nº 9.656/98 a previsão de que o rol seria taxativo-mitigado, que é o mesmo de exemplificativo, permitindo a cobertura de procedimentos nele não previstos sempre que atendidos determinados requisitos.
O STF, no entanto, ao apreciar a constitucionalidade da alteração legislativa, entendeu ser necessário impor critérios mais restritivos. A Corte reconheceu que o rol da ANS não poderia ser interpretado de forma absolutamente taxativa, mas também não deveria abrir margem a uma cobertura indiscriminada e sem parâmetros técnicos. Assim, fixou cinco critérios que devem ser atendidos de forma cumulativa para que tratamentos fora do rol sejam obrigatórios às operadoras, quais sejam: prescrição por médico ou odontólogo assistente, inexistência de negativa expressa da ANS ou de pendência de análise quanto à inclusão do procedimento, ausência de alternativa terapêutica já prevista no rol, comprovação científica de eficácia e segurança, e registro do tratamento ou medicamento perante a Anvisa.
Isto quer dizer que o STF mudou o entendimento e passou a exigir que todos os requisitos sejam cumpridos para garantir a cobertura, o que é mais restritivo do que a lei de 2022, que previa requisitos alternativos – ou isto, ou aquilo. A ideia foi evitar que os planos de saúde fiquem com obrigações maiores do que o próprio Sistema único de Saúde (SUS) e, assim, proteger a sustentabilidade do sistema e impedir um crescimento indiscriminado de ações na Justiça.
Por enquanto, o STF não disse se a decisão só vale daqui pra frente ou também atinge casos antigos. Então, em princípio, ela já começa a valer de imediato, tanto para os processos novos quanto para os que estão em andamento. Isso pode gerar discussão sobre se ela também deveria alcançar decisões passadas. Como o tema é complexo, pode ser que o próprio STF volte a analisar se precisa limitar os efeitos no tempo, para proteger situações já consolidadas e evitar insegurança jurídica.
Na prática, a decisão traz pontos positivos para o setor privado de saúde como mais previsibilidade e critérios claros para os juízes, o que deve reduzir o número de ações e pedidos de tratamentos experimentais sem comprovação. Para os planos de saúde, é um alívio porque ajuda a manter o equilíbrio financeiro dos contratos e impede a obrigação de custear terapias sem evidências sólidas.
Mais do que nunca, o Judiciário precisará recorrer a perícias técnicas e utilizar de forma efetiva instrumentos já colocados à disposição pelo Conselho Nacional de Justiça, como o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS). Essas ferramentas oferecem subsídios científicos e médicos capazes de orientar magistrados em decisões complexas sobre cobertura de tratamentos.
Portanto, o novo entendimento do STF redesenha o contorno do direito à cobertura extra rol: reafirma que o rol da ANS não é definitivo, mas impõe critérios cumulativos que limitam sua aplicação. Trata-se de um ponto de equilíbrio entre proteção ao beneficiário e cautela regulatória para preservar o sistema. O cenário a partir de agora exigirá vigilância técnica e jurídica constante, debates sobre modulação e adaptação institucional, para que o direito à saúde continue protegido sem ruir a sustentabilidade dos planos como tantos que vimos ao longo da história.
Por Olga Boumann Ferreira Cavalcanti, advogada e coordenadora da área de saúde suplementar no escritório Urbano Vitalino Advogados
*Via Assessoria