O desafio profissional da vida adulta dos neurodivergentes

A vida adulta traz desafios para qualquer pessoa, mas, para indivíduos neurodivergentes, essa etapa costuma vir acompanhada de barreiras ainda mais complexas. Quando o assunto é inserção e permanência no mercado de trabalho, o cenário é especialmente desafiador. Pesquisas recentes, como as de Van Hees, Moyson e Roeyers (2024), mostram que adultos neurodivergentes enfrentam grandes dificuldades para conquistar estabilidade profissional, embora ambientes inclusivos e o suporte adequado possam transformar esse panorama, ampliando oportunidades e bem-estar.

Não se trata de falta de capacidade ou de interesse em trabalhar, muito pelo contrário. Estudos de Brown e Nicholas (2022) revelam que as taxas de emprego entre pessoas neurodivergentes são significativamente menores do que as da população geral, e até mesmo de outros grupos com deficiência. Ainda que manifestem forte desejo de contribuir com a sociedade e reconheçam o impacto positivo do trabalho em sua qualidade de vida, essas pessoas costumam encontrar obstáculos desde o processo seletivo até a progressão na carreira.

Os desafios vão além da esfera profissional. A transição para a vida independente também costuma ser marcada por dificuldades em atividades cotidianas que, para muitos, parecem simples. Questões como organização do tempo, planejamento financeiro, gestão da casa, autocuidado e adaptação a novas rotinas podem se tornar fontes de estresse e sobrecarga. Como aponta a American Occupational Therapy Association (AOTA, 2020), essas dificuldades não estão ligadas à falta de inteligência, mas a diferenças cognitivas e sensoriais que afetam as chamadas funções executivas, habilidades relacionadas ao planejamento, à memória de trabalho e à flexibilidade cognitiva.

Sem apoio adequado, as consequências se acumulam: frustração, dependência familiar prolongada, dificuldades na vida social e profissional, além do sentimentos de incapacidade. O resultado, muitas vezes, é um ciclo de baixa autoestima e isolamento, que reforça a exclusão em vez de promover a autonomia.

Falar sobre empregabilidade e vida adulta na neurodiversidade é, portanto, discutir também sobre acesso a recursos, políticas públicas e acolhimento social. O primeiro passo é reconhecer que a autonomia não se constrói sozinha. É preciso criar pontes entre a clínica, a família e o ambiente de trabalho, favorecendo espaços de desenvolvimento e pertencimento.

Ferramentas práticas podem fazer diferença significativa no cotidiano desses adultos: o uso de aplicativos de agenda e lembretes, planilhas adaptadas, rotinas visuais e o treino de habilidades de vida diária em contextos clínicos ou grupais. O acompanhamento psicoterapêutico, quando voltado para o fortalecimento das funções executivas e da autogestão, também é essencial. Mas nada disso se sustenta sem uma rede de apoio efetiva e consciente, que inclua profissionais de saúde, educadores, gestores e colegas de trabalho dispostos a compreender e respeitar as singularidades de cada pessoa.

Um olhar multidisciplinar é, portanto, indispensável. Psicólogos, terapeutas ocupacionais, psiquiatras e educadores podem trabalhar juntos na construção de estratégias individualizadas, que considerem não apenas as dificuldades, mas também os potenciais de cada indivíduo. O objetivo não é “normalizar” comportamentos, mas favorecer a autonomia, a qualidade de vida e o exercício pleno da cidadania.

Promover a inclusão de adultos neurodivergentes é um compromisso que vai além do discurso. É uma escolha ética e social, que exige empatia, preparo e ação concreta. Quanto mais compreendermos a diversidade de modos de pensar, sentir e agir, mais próximo estaremos de um mundo verdadeiramente inclusivo, onde todos possam viver e trabalhar com dignidade, propósito e pertencimento.

Por Geórgia Menezes, neuropsicóloga, mestre e doutoranda em Psicologia na UFPE, sócia do do IAN – Instituto Harmonia e Neurodiversidade

*Via Assessoria