Após três anos, “Paixão de Cristo do Recife: Jesus, a Luz do Mundo” ocupa o Marco Zero com três sessões gratuitas e ao ar livre. Com Jesus negro e Maria negra, encenação tem texto que mistura passagens bíblicas com questionamentos sociais da atualidade
O mês de abril chegou prometendo fortes emoções aos recifenses com o retorno de uma grande Paixão a um dos mais emblemáticos cenários da capital pernambucana. Nos dias 7, 8 e 9, um elenco de mais de 150 atores e figurantes irá devolver ao Marco Zero a grandiosa encenação da história mais contada do mundo, em montagem realizada pela Associação dos Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco (Apacepe), escrita e dirigida por Carlos Carvalho. A “Paixão de Cristo do Recife: Jesus, a Luz do Mundo” será apresentada, em três sessões gratuitas e ao ar livre, sempre às 18h, com Jesus negro e Maria negra e texto contundente e comovente, que costura célebres passagens bíblicas a referências à geopolítica mundial contemporânea.
O espetáculo, tradição aclamada do calendário cultural recifense, retorna a seu formato original, presencial e a céu aberto do Marco Zero, após três anos. Em função da pandemia, foi adaptado para chegar a seu público cativo em duas resilientes edições. Em 2021, virou filme e foi disponibilizado na internet e, em 2022, a história de Jesus foi contada no Teatro Luiz Mendonça, em respeito aos protocolos.
Tudo isso, somado à atual conjuntura mundial, de guerra, crise climática e extremismos políticos e religiosos, faz com que esta emocionada edição de retomada ganhe contornos ainda mais urgentes. “Contar a história de Jesus nestes nossos conturbados tempos é, antes de tudo, um ato político. Precisa ser”, conclama o roteirista, Carlos Carvalho, que, pelo segundo ano consecutivo, escalou ator negro e atriz negra para interpretar Jesus e Maria, abordando uma questão que a humanidade carrega à flor da pele e no cerne de suas configurações e lutas sociais, há séculos. “O espetáculo propõe a quebra da estética eurocêntrica, branca e hegemônica para tratar das questões de raça e gênero, ainda tão atuais e urgentes.”
Para emoldurar, potencializar e levar essas antigas lições e novas reflexões para ainda mais perto do público, a peça, que chega este ano à sua 25ª edição, terá cenários modernos e não realistas, com alicerces à mostra. Montada com estruturas metálicas de até cinco metros de altura, a cenografia, assinada por Cláudio Lira, será protagonizada por tecidos, que receberão projeções e luzes para compor as cenas.
As novidades da montagem deste ano chegarão ainda mais perto do público. “Colocaremos duas mil cadeiras no Marco Zero, dispostas de forma a permitir que a plateia fique no meio de algumas cenas, como o cortejo da Via Dolorosa, reunindo Jesus, Maria Madalena e as mulheres de Jerusalém”, diz o diretor.
A Paixão também irá se vestir de contemporânea, incorporando aos figurinos, que levam a assinatura de Álcio Lins, várias referências às estéticas e éticas atribuídas – ou não – ao sagrado, na atualidade. “Jesus vai usar calça jeans surrada. E os sacerdotes vestirão paletó escuro com chapéu de época.”
ELENCO – Maria será encenada pela premiada atriz, apresentadora e diretora Brenda Lígia, que já atuou em séries de TV como Assédio e Sob Pressão, soma muitos espetáculos teatrais no currículo, além de ter estrelado filmes, entre curtas e longas, como As Melhores Coisas do Mundo (Laís Bodanzky), Sangue Azul (Lírio Ferreira) e Bruna Surfistinha (Marcus Baldini). Brenda fará sua estreia no espetáculo “tanto no palco, quanto na plateia”. Nascida em Minas Gerais, ela conta que, embora viva há quase 20 anos no Recife, onde casou e teve filho, nunca havia visto a Paixão, até receber o convite e terminar irremediavelmente apaixonada.
“Um orgulho enorme fazer parte desse espetáculo lindo e revolucionário, que trata de uma história contada há muito tempo e muito reverenciada pelos que têm fé. E aqui acho importante falarmos de todas as fés. Mesmo assim, essa Paixão consegue ser contemporânea, tanto na linguagem, quanto na atuação, nos cenários. Além disso é grátis, para o povo. Como Jesus gostaria! E ainda encenada no coração do Recife, numa paisagem linda e histórica”, celebra a atriz, que considera Maria um dos papéis mais importantes de sua carreira.
“Pra mim, Maria representa todas as mulheres, na força, na resistência e na batalha do dia a dia. Uma história bonita, mas também violenta. Da minha vivência, trago o fato de que perdi um filho. É a maior dor do mundo. De tantas mães, como Mirtes, mãe de Miguel, que estará na plateia, cuja dor é também nossa, social e nunca vai parar de sangrar na história do nosso país. Viver Maria está trazendo à tona essa indignação e essa tristeza por tantas histórias de dor, abandono, violência, racismo. Se eu pudesse, dedicaria a Paixão deste ano a cada mãe preta que chora por seu filho nas periferias. Maria me ensinou e tem me dado muita força.”
No papel de Jesus, o ator recifense Asaías Rodrigues (Zaza) será protagonista do espetáculo pelo segundo ano consecutivo, o primeiro no Marco Zero. “Minha emoção, ao fazer Jesus na Paixão de Cristo do Recife, com sua valentia, rebeldia, seu sentimento indiscutivelmente humanitário, coletivo e cirurgicamente político, é de muita responsabilidade. Trata-se de uma grande missão. O público não vai ao Marco Zero para se entreter, vai para rezar junto, num acontecimento teatral que está no coração de uma cidade inteira, de um estado e de um país. Esse espetáculo é arte, mas é, sobretudo, uma grande oração”, aponta o ator, que já morou e atuou na Itália e Portugal, diante da oportunidade de encenar um personagem tão universal. “O teatro fala do seu tempo, para seu tempo e dele em diante. Eu torço para que, daqui para frente, Jesus também possa ser feito por um japonês, um indiano e sobretudo um indígena.”
A história da Paixão, que celebra o amor como liturgia e revolução desde os tempos mais remotos, será contada por vozes e rostos de nomes consagrados da cena teatral local, como Angélica Zenith e Albemar Araújo, que viverão Herodes e Maria Madalena; Júnior Aguiar, que interpretará Judas; Normando Roberto, que fará o papel de Anás; Carlos Lira emprestará suas emoções e mãos a Pôncio Pilatos; enquanto Ana Cláudia Wanguestel e Fábio Calamy soprarão o bafo quente do demônio. Também subirão ao palco da Paixão recifense alunos de cursos de teatro da cidade e 12 bailarinos do grupo Bacnaré.
O elenco começou a ensaiar a peça no último mês de janeiro. E gravou áudios e diálogos da encenação no estúdio Muzak, em março. A trilha sonora deste ano destaca músicas de Milton Nascimento (“Maria, Maria”) e Roberto Carlos/Erasmo Carlos (“Todos estão surdos”), esta em interpretação de Chico Science & Nação Zumbi e escolhida em celebração ao Manguebeat, um dos mais representativos movimentos culturais da cidade, que completou 30 anos em 2022.
FICHA TÉCNICA – O espetáculo é realizado pela Associação dos Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco (Apacepe) e Ministério da Cultura, com o patrocínio da Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria de Cultura e da Fundação de Cultura Cidade do Recife; Governo de Pernambuco, por meio da Fundarpe; Ferreira Costa e Novo Atacarejo. “Paixão de Cristo do Recife: Jesus, a Luz do Mundo” tem direção e roteiro de Carlos Carvalho. A produção geral é de Paulo de Castro e Antônio Pires. Álcio Lins assina os figurinos, a iluminação é de Eron Villar, que também ocupa a assistência de direção. A montagem conta com apoio da Cepe, TV Pernambuco, TV e Rádio Universitária, Brotfabrik e Virtual.
SERVIÇO:
25ª Paixão de Cristo do Recife: Jesus, A Luz do Mundo
Marco Zero, no Recife Antigo
Dias 7, 8 e 9 de abril, às 18h
Classificação livre
Acesso gratuito
*Via Assessoria