Tatiana Monteiro


Do frevo ao jazz, do blues ao choro…


Do frevo ao jazz, do blues ao choro…

 

Tatiana Monteiro é uma das mais belas vozes de Pernambuco. Sem misturar opiniões, uma entrevista fantástica onde a mesma expõe sua verdade de modo único. E, principalmente, com conhecimento de causa.

1 – Na minha opinião uma das vozes mais bonitas e versáteis de Pernambuco. Tatiana Monteiro, se apresente…

Grande Gilberto da Costa Carvalho! Honra-me a sua opinião, porque vem de um ser humano sincero (e como!) e com um vasto conhecimento musical, que perpassa pelo popular e erudito.

Eu gosto de dizer que sou cigarra e formiga. Sou advogada de formação, servidora pública de profissão e cantora por paixão. E danço flamenco e tango nas horas vagas que ninguém é de ferro…

2 – Tati, analisando sua carreira. Você começou em meados de 1994 participando de festivais voltados a música regional, principalmente para o Frevo como o Recifrevo, o Concurso de Música Carnavalesca Pernambucana, além do Unicanto. A que se atribui este amor ao nosso frevo?

Lá em casa sempre se ouviu muito frevo, mesmo quando não era carnaval. Meu pai, Fred Monteiro, é compositor de frevos (de bloco, canção e de rua – e tem frevos belíssimos, por sinal) e foi ainda pequenininha que eu aprendi quem eram Capiba, Nelson e Levino Ferreira, Duda, Edgar Moraes, Getúlio Cavalcanti e outros grandes.

Adoro o frevo e o passo. É uma música e dança complexas, com metaleira pesada, alegre e cheia de vida. É impossível não se apaixonar!

Na época em que fui convidada por meu pai a interpretar com ele o frevo-de-bloco “Eterno Carnaval”, no VII Recifrevo, em 1994, eu já sonhava em ser cantora – dentro do meu quarto, aguarrada com meu violão Giannini/Trovador. Foi um encanto triplo: poder cantar num palco (na época, o da TV Jornal), frevo, com meu pai. Depois disso montei o “Coral Vitória-Régia” e defendemos muita música boa, em muitos festivais, e gravamos alguns discos do gênero.

3 – Você começou a compor muito cedo, é fato. Como é este processo para você? O que é uma boa composição?

A primeira “coisa” que eu compus foi com 15 anos. Não sei se isso é cedo…Mas as músicas que eu posso chamar de músicas, vieram logo após.

De início eu tinha certa facilidade em cantarolar alguma coisa no carro enquanto dirigia até a faculdade. Muitas músicas eu fiz assim. E já vinha tudo pronto: letra e canção. Quando eu estacionava o carro, já pegava o violão, que eu trazia sempre comigo, escrevia uma harmonia doida, que depois meu pai ou  meus irmãos me ajudavam a corrigir, et voilà!

Hoje já é mais difícil. Escrevo letras com certa facilidade, mas as melodias me faltam. Minha parceria com Bruno (Vitorino – meu marido e mentor musical) deu certo porque ele não escreve letras, mas escreve bonitas melodias tortuosas que, acho eu, combinam bastante com minhas poesias.

Uma boa composição pra mim precisa ter fluência. A música precisa caminhar sozinha e de forma orgânica, e não ser empurrada guela a baixo. A letra precisa fazer sentido, mas também precisa ser sonora. Se é só racional, é “ego-lombra”. Se é apenas sonora, um amontoado de palavras que não querem dizer nada, é porra-louquice. Poucas composições contemporâneas conseguem abarcar esses elementos.

4 – Poucas pessoas têm conhecimento, mas você já trabalhou com nomes como Getúlio Cavalcanti, Fred Monteiro, Osman Jucá, Romero Amorim, também possuindo uma participação nos primeiros discos do cantor e compositor Izidro, prensado na Alemanha pela Big Momma & PJ´s Music…Como é trabalhar com pessoas que possuem composições tão boas, aclamadas e ao mesmo tempo serem compositores oficialmente desconhecidos da grande massa?

Com Getúlio eu participei do coral que gravou no disco “Getúlio Cavalcanti: 40 anos de carnaval”. Devo dizer que foi a realização de um sonho, porque pra mim não existe um compositor de frevos tão completo quanto ele. Com Fred (meu pai) gravei três discos para o Bloco Flor da Vitória-Régia, e foi um deleite, já que pude trabalhar com um grande compositor e com o homem que me deu a vida, me apresentou à música, me ensinou a tocar violão, me presenteou com um saxofone nos meus 15 anos e que mais tarde me levou pra cantar suas canções nos festivais. Para Osman e Romero, fiz gravações pontuais. Defendendo uma música do Osman, o coral Vitória-Régia conquistou seu primeiro festival (VIII Recifrevo, 3º lugar). Sei até hoje toda a letra e melodia do frevo-de-bloco que cantei com vigor há 15 anos atrás. E Romero tem poemas lindos. (Joaquim) Izidro eu tive a sorte de conhecer durante as gravações de seu CD. Ele precisava de um coro em algumas faixas e chamou o octeto em que eu cantava (Claves do Porto)  para participar. Foi incrível. Ele é um ótimo letrista.

Foi mágico ter conhecido esse povo todo enquanto cantei nos corais e coros e octetos. Aprendi um bocado e conheci muita gente boa.

É  triste saber que trabalhos tão lindos ficam à margem de nosso conhecimento. Eu tive a sorte de conhecer as obras dessas pessoas porque cantei em seus discos ou faixas. Mas e quem não deu a sorte? Continuou sem saber que existiam? Até na web, essa teia gigante que une o mundo inteiro, é difícil encontrar referências sobre essa galera…

5 – Pouco tempo depois você assumia os vocais do grupo de choro Arabiando e também de outro projeto de releituras de Jazz, Blues & Bossa Nova, intitulado “Lady sings the blues”. Como foi este processo de mudança, com a saída do frevo e as chegadas do choro, jazz, blues and bossa?

Eu não “assumi” exatamente os vocais do Arabiando. Vez por outra eu fazia participações com os meninos. Algumas vezes fiz o show inteiro. Eu era uma espécie de “sub” de Anastácia, a cantora que acompanhava o grupo à época. Quando ela não podia, eu geralmente entrava em cena. Mas foi por um período curto. O Arabiando é ótimo! Há muito frescor em sua música que me agrada muito!

Sempre ouvi muito choro. Nos idos de 1994, eu sempre estava metida dentro de algum bloco (da Saudade, Eu Quero Mais, Vitória-Régia, Nem Sempre Lily Toca Flauta…) e os músicos antes dos desfiles costumavam fazer rodas de choro. Me viciei. Quase todo sábado batia ponto no finado Café Cordel (Rua da Guia) pra ouvir Bona e sua trupe tocar chorinho até de madrugada.

Também ia muito pro saudoso Boemia (Pólo Pina) ouvir Beto do Bandolim e Dalva Torres (maravilhosa!) tocarem e cantarem coisas lindas de Jacó, Pixinguinha, Waldir Azevedo e outros mestres. Ainda frequentava junto com meu irmão Fred (Monteiro Filho – bandolinista) o Clube do Choro, nas quartas. Dávamos “canja” por lá. Era maravilhoso. Aprendemos muito. Conheci muita gente bacana e muita música boa.

Nessas rodas de choro de vez em quando rolava uma bossa-nova. Eu já conhecia algumas coisas, do meu pai tocar em casa ou mesmo ouvi, mas tive curiosidade e desbravei a música de Tom Jobim.

Daí pro jazz foi um pulo. Sempre tinha alguém do meu lado dizendo que “a bossa era o jazz brasileiro”, e então resolvi decidir isso eu mesma, ouvindo jazz. Fiquei um pouco desolada com o que descobri: a bossa é a bossa e ponto. Não é jazz. O fato de também abusar de dissonâncias e ter progressões harmônicas não-convencionais não faz de uma música jazz. Jazz é outra coisa. Mas conheci composições fascinantes. Me encantei com o bebop e o swing. Sou fã ardorosa de Billie Holiday. Aos 17 anos, quando ouvi “Don´t Explain” descobri que era aquilo que eu queria cantar para sempre!

Então, penso que uma coisa me levou a outra: o frevo ao choro. O choro a bossa. A bossa ao jazz. E o jazz tem me levado para outros caminhos…

A Lady Sings The Blues foi minha primeira banda. Representou muito pra mim. Me amadureceu demais. Me deu a coragem pra me expor. Me deu aprendizado e novas chances. Foi algo fantástico que aconteceu em minha vida.

6 – Desde 2007, você, juntamente a Bruno Vitorino, Filipe Barros, Thiago Suruagy, André Sette e Demóstenes Cavalcanti, deram início a Bande Ciné, hoje Bande Dessinée, com um propósito no mínimo ousado. Juntar a música pernambucana e a francesa num mesmo caminho. Hoje em dia, 3 anos depois, acho que a Bande Dessinée tem lugar de importância na cena musical pernambucana, participando inclusive de vários festivais de renome e dividindo palco com nomes como Nouvelle Vague. Como isto repercute na sua cabeça?

Em 2006 a Lady praticamente parou. Depois do Festival de Inverno de Garanhuns, em julho, não fizemos mais nenhum show importante.

Filipinho tinha um projeto na cabeça, me ligou e foi lá em casa. Conversamos, eu expliquei a situação da Lady e disse que estava com disponibilidade pra começar outra estória.

Isso foi no fim do ano de 2006. No iniciozinho de 2007 juntamos a galera da 1ª formação e mandamos ver. Trabalhamos deveras nos primeiros meses. Tinha semana de fazermos 3, 4 shows. Dois no mesmo dia! E não tinhamos esse perfil de “banda de festinha” que toca 20 vezes por dia. Ficamos surpresos com a boa aceitação!

E com seis meses da (ainda) Bande Ciné  fomos convidados pra tocar no RecBeat! Foi fantástico!

Realmente, a Bande tomou um rumo que eu não esperava. Eu tomei um rumo na música que não esperava! Eu achava que ia ficar no jazz pra sempre!

Cantar em francês me atraiu. As músicas eram gostosas de cantar. A sonoridade da língua era bacana. Tudo era instigante e desafiador. Mas eu não achava que iria tão longe.

Hoje, em processo gestacional do nosso primeiro cd, eu digo que a (agora) Bande Dessinée me surpreendeu pelo que conquistou.

Eu gosto de estar na Bande. Gosto de cantar em francês, gosto das músicas dançantes e divertidas, gosto da alegria que geramos em nossos shows, gosto dos músicos, das pessoas envolvidas, dos fãs, da sonoridade da banda, da autenticidade e da espontaneidade dos meninos no palco, sem exageros ou grandes performances…

A Bande Dessinée é uma das poucas bandas pernambucanas que me fariam sair de casa no fim de semana pra ouvi-la. Isso pra mim é o melhor termômetro pra saber se vamos bem!

Mas há muito o que trabalhar. Temos muito chão pela frente!

Inclusive, pra quem quiser saber mais detalhes sobre a nossa recente mudança de nome (de Bande Ciné para Bande Dessinée), acesse: http://www.bandedessinee.com.br/. Lá tá tudo explicadinho!

7 – Saindo um pouco do lado carreira e entrando num lado mais pessoal. Particularmente eu afirmo que muitos dos trabalhos lançados em Pernambuco atualmente pecam em vários sentidos. São muito mal tocados, interpretados e de pouquíssima criatividade em termos de composição. O que você pensa sobre o assunto? E o que indicaria para que uma pessoa que não conheça música de Pernambuco venha a escutar?

Eu não sou a pessoa mais indicada para falar de trabalhos produzidos em Pernambuco. A maior parte das músicas que ouço são de pessoas que já morreram. Algumas há muitos séculos…

Mas tem muita coisa ruim aqui. Mesmo.

Acho que é meio Judas falar isso, porque o tempo todo a galera daqui diz que pernambucano só “bota gosto ruim” no que é produzido por seu conterrâneo e tal. Mas é isso sim. Tem um bocado de coisa ruim sendo produzida e eu me pergunto como isso pode fazer sucesso até em outros países…

Agora, coisa boa também tem de monte. Nem sei se consigo dizer tudo.

Eu indicaria, sem medo de ser feliz, os seguintes artistas e grupos: Spok Orquestra, Orquestra da Bomba do Hemetério, Academia da Berlinda, Alessandra Leão, Dom Ângelo Jazz Combo, Ínsula, Saracotia, Pouca Chinfra e a Cozinha, Sonoris Fábica, Arabiando, Fim de Feira, Patrícia Solis, Karynna Spinelli, Rui Ribeiro & Mesa Autoral de Samba e Bande Dessinée.

8 – Você tocou, e ainda toca, com alguns músicos de extrema qualidade. Por conhecer o trabalho de vários deles, afirmo que uma das coisas que mais me intrigam em termos musicais aqui em Pernambuco é o fato de que vários musicistas de fato, com formação, dedicação e estudo não possuírem espaço, e outros, que pegam um pedaço de pau e “batem na lata” afirmam aos quatro ventos “serem músicos”. E o pior, vários com sucesso. Obviamente que não generalizo, porque fenômenos existem em qualquer parte do mundo. Gostaria de saber o que você pensa sobre o assunto já que teve anos de dedicação a aulas de canto e técnica vocal.

O pernambucano encasquetou que tem um talento nato pra música e aí ele resiste a estudar e buscar a técnica. Acha que isso vai limitar sua criatividade e outros papos “bicho-grilo”. Eu acho isso negativíssimo.

Se você realmente nasceu com o dom, corra! Corra em busca da técnica! A não ser que você seja um gênio, tipo Mozart…

Música também é fitness. Também tem que suar a camisa e acabar o dia todo doído. Arte também é repetição. Também é mecânica. Também! Óbvio que não é só isso…

Eu estudei 1% do que deveria estudar de canto. Conheço minimamente as técnicas. Fiz aulas durante uns 3 anos, juntando os cacos, mas estudei.

Estudei flauta doce quando era pequena e isso me deu oportunidade de aprender a ler partitura, apesar de ser semi-analfabeta. Aprendi violão popular com meu pai e tocava umas besteiras quando era adolescente, mas isso me ajudou com harmonia. Minimamente, mas ajudou. Estou estudando flauta transversa, que já havia “arranhado” há uns 10 anos passados. Está me ajudando em outras questões.

Estudar, qualquer coisa, é sempre saudável. Não entendo essa relutância.

Não acho que uma pessoa que não estuda formalmente seja pior ou melhor que a que estuda. Só acredito que estudar a técnica potencializa o talento e melhora as virtudes.

9 – A mídia ainda escolhe seus queridinhos em termos musicais. Como você enxerga esta bajulação excessiva de algumas pessoas em relação a estes queridinhos? Isto é mais importante do que a competência musical?

Às vezes a mídia te empurra uma banda horrorosa até que você começa a cantar involuntariamente suas músicas enquanto caminha para a escola e cria essa demanda em você. A mídia te empazinou, você resistiu, depois se deixou levar e agora não vive mais sem a banda horrorosa. E pede a mídia que toque, que mostre, que venda, porque você quer comprar.

Daí a banda horrorosa faz shows, grava dvds, aparece no Faustão por 18 domingos seguidos, grava pra novela, faz especial de fim de ano e todo mundo envolvido fica rico. Com ou sem competência.

Agora também acontece do caminho ser o inverso. A banda competente por si só bomba e a mídia vai atrás, pedindo penico até que a galera se vende, já que, afinal de contas, não é pecado enriquecer honestamente.

Lógico que nem de longe é mais importante ser queridinho que ser competente. Mas na maioria das vezes é mais fácil ou é mais frequente ser queridinho que competente e é assim que a coisa anda no mundo da música pop.

10 – Estou sabendo que em 2011, você, junto com alguns outros músicos de muita qualidade, estão bolando um novo projeto intitulado – MINIMA. Você poderia falar mais dele para nós? Fique à vontade.

Pois é. Não sei se será em 2011. Não temos pressa…

Estamos compondo umas coisas diferentes, fundadas em algumas influências nossas. Dentre elas, acredito que a dos eruditos moderno seja a mais marcante: são músicas com progressões inusitadas, melodias não-intuitivas e com uma nova ótica sobre a combinação de timbres.

Além disso, estamos coletando composições “exóticas” com amigos e tentando umas formações mais  incomuns.

Buscamos uma música mais orgânica, sem esses overdubs tão usados hoje em dia, uma música mais minimalista. Daí o nome: MÍNIMA.

Queremos pouca gente no palco,  instrumentos acústicos, arranjos simples, nada de muitos barulhinhos, guitar heroes ou coisas parecidas. Almejamos uma música limpa, direta e diferente do que vem sendo produzido hoje.

O que posso adiantar é que uma galera já topou e que a formação original que pensamos foi bateria, contrabaixo acústico, violão de 7 cordas, clarone, flauta e xilofone. Muita madeira. E uma voz!

11 – Como sempre, a pergunta mais covarde de todas. Cite 3 nomes que te inspiraram a seguir na carreira artística.

Três nomes: Billie Holiday, Madeleine Peyroux e Mayra Andrade. Três cantoras que eu amo (tem outras mais, mas…) e que me fazem querer continuar insistindo em abrir a boca e soltar a voz!

 

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