O julgamento que pode mudar o futuro do tratamento para pessoas com TEA no Brasil

No próximo dia 5 de junho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai protagonizar um momento decisivo para o sistema de saúde suplementar no Brasil. Em pauta estará a definição, com efeito vinculante para todos os tribunais do país, sobre a obrigatoriedade dos planos de saúde custear integralmente os tratamentos prescritos por profissionais especializados às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou se podem negar esse custeio com base em protocolos internos e no chamado rol taxativo da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

A decisão impacta diretamente todas as pessoas que, sendo usuárias de planos de saúde, recorrem ao Judiciário para garantir o acesso ao tratamento completo. E, mais do que isso: está em jogo a efetividade de direitos fundamentais, inegociáveis e inderrogáveis assegurados pela Constituição Federal — como o direito à saúde, à vida e à dignidade da pessoa humana.

O que se discute, portanto, não é se o tratamento é necessário — esse ponto é pacífico e amparado pela ciência. A dúvida que o STJ vai esclarecer é quem deve arcar com esse tratamento, se o plano de saúde, que assume esse compromisso ao comercializar um serviço privado essencial ou se o Sistema Único de Saúde (SUS), já sobrecarregado, passaria a receber a demanda dessas famílias injustamente excluídas pela saúde suplementar?

A função do STJ, conforme determina o artigo 105 da Constituição Federal, é justamente assegurar a correta aplicação das leis federais. E, neste caso, há uma base legal sólida: o direito ao acesso a tratamento multidisciplinar especializado está expressamente previsto tanto na Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana), quanto na Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão).

A Lei Berenice Piana reconhece a pessoa com TEA como pessoa com deficiência para todos os efeitos legais e, em seu artigo 3º, garante o acesso a atendimento multiprofissional, incluído o direito a tratamentos nas áreas de saúde, educação e assistência social. Já a Lei Brasileira de Inclusão, no artigo 14, assegura às pessoas com deficiência o direito à habilitação e reabilitação em todos os níveis de complexidade, por meio de uma abordagem interdisciplinar e multidisciplinar que promova o desenvolvimento de sua autonomia, inclusão e participação social.

Além disso, a Lei nº 14.454/2022 reforça a obrigatoriedade de cobertura dos tratamentos prescritos por profissionais assistentes, afastando qualquer limitação com base exclusiva no rol de procedimentos da ANS, que, por meio das Resoluções Normativas nº 521/2022 e 539/2022, determinou que os planos não podem impor limite de sessões para terapias essenciais (fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia e fisioterapia) voltadas ao tratamento de pessoas com TEA, e que a cobertura deve respeitar a prescrição médica, não podendo ser limitada por diretrizes internas.

Ou seja, o que se espera do STJ é que cumpra sua missão constitucional: proteger a legislação federal já existente e reafirmar que o tratamento integral da pessoa com TEA não é uma escolha, mas um dever legal das operadoras de saúde.

No entanto, ainda que se espere do STJ a postura constitucional que lhe cabe, a sociedade precisa permanecer vigilante e mobilizada. É imprescindível que a Corte confirme seu próprio — e já consolidado — entendimento de que não se pode limitar o acesso ao tratamento de saúde por critérios econômicos.

As operadoras de planos de saúde fundamentam suas alegações unicamente na lógica do lucro, buscando impor a prevalência de interesses financeiros sobre direitos sociais e constitucionais fundamentais, como o direito à saúde, à vida e à dignidade.

Se esse movimento prosperar, o impacto será devastador: centenas de milhares de pessoas com TEA poderão ter seus tratamentos interrompidos, atrasados ou precarizados. O resultado disso será sentido não apenas pelas famílias diretamente afetadas, mas pelo próprio Estado, que terá que absorver essa demanda via SUS — um sistema já sobrecarregado e subfinanciado.

E é importante dizer: o argumento de que o custeio dos tratamentos levaria os planos à falência simplesmente não se sustenta. Dados oficiais da própria ANS mostram que as operadoras de saúde lucraram mais de R$ 11 bilhões em 2024, com um crescimento de 271% em relação ao ano anterior. Ou seja, não é a manutenção do tratamento de autistas que ameaça os planos de saúde — é a ausência de compromisso com os direitos fundamentais.

O Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos dos Autistas (IBDTEA), junto com outras entidades da sociedade civil, está mobilizado para garantir que esse julgamento reafirme a centralidade da vida e da dignidade humana sobre a lógica do mercado. Estaremos no STJ apresentando memoriais, sustentando oralmente e pressionando — jurídica e socialmente — por uma decisão que respeite a Constituição e a legislação federal.

Que o STJ cumpra sua missão. E que a sociedade mostre que está atenta, porque o que está em jogo não é apenas um precedente judicial, é o futuro de milhares de brasileiros.

Por Robson Menezes
Advogado, ativista, especialista em direito dos autistas e pai atípico

*Via Assessoria