O acesso à saúde para autistas começa muito antes do tratamento: ele se inicia com o direito ao diagnóstico precoce, fundamental para garantir um desenvolvimento adequado. Tanto a Lei Brasileira de Inclusão quanto a Lei Berenice Piana garantam o acesso precoce a este diagnóstico, que, para organizações internacionais, como a OMS por exemplo, deve ser realizado até os 24 meses de idade. No entanto, o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) é 100% clínico, ou seja, depende da avaliação de um médico especializado, como neuropediatra ou psiquiatra infantil. A falta desses profissionais na rede pública de saúde ou até mesmo na saúde suplementar impede que muitas crianças sejam diagnosticadas e, consequentemente, percam o acesso a qualquer tratamento ou assistência, pois sem diagnóstico, elas não entram sequer nas estatísticas. Assim, o primeiro direito a ser exigido é o acesso a um diagnóstico precoce e adequado.
Após o diagnóstico, o médico responsável tem o dever ético de prescrever o tratamento adequado, possibilitando que o paciente tenha acesso às terapias necessárias. A lei garante o direito ao tratamento multidisciplinar, seja pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou pelos planos de saúde privados. No entanto, na prática, o acesso a esses tratamentos é extremamente precário. Em Pernambuco, por exemplo, não há um centro de referência estadual para o tratamento de autistas. Algumas unidades municipais no Recife prestam atendimento, mas não conseguem atender sequer 5% da demanda existente.
O levantamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) revela que pacientes autistas são frequentemente encaminhados de um serviço para outro, sem conseguir o atendimento contínuo e adequado. Muitos são direcionados a Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) ou ambulatórios, onde conseguem apenas alguns minutos de terapia por semana, quando conseguem. Essa realidade, infelizmente, contraria a própria Constituição, que assegura o direito à saúde, à dignidade da pessoa humana e à vida. Embora o tratamento público adequado ainda seja escasso, ele é obrigação do Estado. Quando não fornecido, a família pode recorrer à Justiça para exigir esse direito.
Na saúde suplementar, os planos de saúde também tentam limitar o acesso ao tratamento, referenciando pacientes para clínicas que não possuem estrutura suficiente para garantir todas as terapias necessárias. No entanto, a legislação é clara: o tratamento deve ser fornecido de maneira integral e próximo à residência do paciente. Caso haja dificuldades de locomoção, a Lei Brasileira de Inclusão determina que o poder público deve garantir transporte para que o paciente compareça às sessões de terapia. Além disso, medicações necessárias, suporte de assistência social e atendimento psicológico tanto para o autista quanto para seus familiares também são direitos garantidos.
Desde 2021, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determinou que não há limite de sessões para terapias essenciais, como psicologia, terapia ocupacional, fonoaudiologia e fisioterapia para autistas. A Resolução Normativa 439 de 2022 reforça que o tratamento deve ser realizado conforme a prescrição médica, sem restrições impostas pelos planos de saúde. Caso um plano se recuse a cobrir integralmente o tratamento, a família pode denunciar à ANS, ao Procon ou recorrer ao Judiciário para garantir o cumprimento desse direito.
O acesso à saúde para autistas é um direito protegido por diversas leis, mas que ainda enfrenta barreiras na sua implementação. Por isso, é essencial que as famílias conheçam essas garantias e saibam como exigir o cumprimento dos direitos na rede pública e privada. A luta pelo diagnóstico precoce, por terapias multidisciplinares e pelo acesso integral ao tratamento deve ser constante, para que pessoas autistas possam ter uma vida digna e o suporte necessário para seu desenvolvimento.
Por Robson Menezes, advogado especialista em direito da saúde, ativista e pai atípico
*Via Assessoria