Conhecido como berço e país do samba, o Brasil nos joga mais um talento aos ouvidos. Karynna Spinelli é sem sombra de dúvidas uma das maiores intérpretes do gênero na atualidade. Buscando seu espaço com muita fé e força ela nos conta nesse papo, detalhes de sua vida e carreira e, principalmente, do presente que ela dará a música brasileira com o lançamento de “Morro de Samba”, seu primeiro disco solo.
Revista Click Rec – Karynna Spinelli, jogue as cartas na mesa. (conte quem é você?).
Karynna Spinelli – E eu sei lá!(risos)…
Sou uma mãe, cantora, bancária, cheia de sonhos e de cantos, uns ainda adormecidos,outros muito bem encaminhados. Continuo me construindo diariamente. Além dos meus filhos e minha música, nada em mim e definitivo.
RCR – Recordo que uma vez você iniciou um show dedicando a música “Esperanças Perdidas” (dos Originais do Samba) para sua mãe. Como e desde quando surgiu este elo entre você e a música?
Karynna Spinelli – Minha mãe e meu pai cantavam e tocavam, vivi isto desde pequenina. Noites de boemia, violões, atabaques e lá estava eu ouvindo, ouvindo. Aprendi esta canção com mainha, e hoje canto pra ela.
RCR – Eu tenho uma opinião formada e gostaria de compartilhar com você. Penso que uma pessoa quando toca um instrumento bem, conseqüentemente canta bem. Você toca algum instrumento ou sua paixão foi sempre o canto?
Aprendi a tocar violão quando tinha 13 anos, enchia o saco de todos, de manha, de tarde, de madrugada!Era simplesmente vidrada. Toco um pouco de percussão. Sou uma curiosa, nunca estudei nem pra tocar e muito menos cantar, tudo foi e ainda e intuitivo. Mas sinto vontade e acho importante alinhar a intuição, o sentimento e a parte técnica. Um dia chego lá.
RCR – Às vezes eu me pergunto certas coisas que me intrigam neste ramo artístico. Como é ser uma das melhores cantoras de samba do Brasil em Pernambuco?
Karynna Spinelli –Caramba…botasse quente agora! (risos). Brincadeira, obrigada pelo elogio. Tudo pra mim ainda é novo. Um dia desses a não sabia nem cantar direito no microfone. Tenho muita coisa a aprender, mas estou disposta, sedenta. Estudo muito tudo o que eu canto, acho importante saber das raízes do que eu coloco no meu palco. Mesmo com meu pouco tempo de carreira, gosto e acredito no que faço. Da energia da minha música, do meu cuidado visual, dos meus parceiros…Tenho sorte, arrodeada por pessoas talentosas e que fazem questão de que eu os cante, me incentivam a compor, cada dia cresço mais. Quando comecei, ouvi de vários que o meu trabalho não tinha nada de novo e tal, não acreditei nisto, ainda bem!!! Hoje me sinto respeitada, admirada não só pelo meu canto, mas pelo conjunto de ações e buscas as quais estou envolvida. Fico feliz! Mas sei que o caminho ainda e longo! Ainda BEM!
RCR – Você é a Presidente do Clube do Samba Recife, movimento este que foi criado para homenagear os 30 anos do Clube do Samba do Rio de Janeiro, fundado pelo saudoso Mestre João Nogueira. Existe um porque desta tentativa de resgate as tradições?
Karynna Spinelli – Faz cinco anos que caminho por rodas de samba, rodas de pagode (que chamam de samba), e por aí vai. Tem muita coisa boa por aqui, mas tem muita gente equivocada, fazendo a coisa, o samba ou o pagode, de qualquer jeito. Bem, sou mulher, de pele branca, cantora e compositora. É fato a discriminação que ainda existe com relação a isto. Achei necessário mostrar que somos capazes de mais, de que temos também a tradição do samba, independente de sexo ou cor, além de que fundar um Clube do Samba e realmente um sonho de criança, que criança “inxerida” hein?
RCR– Quando e como surgiu esta ligação com o Morro da Conceição?
Karynna Spinelli – Passei anos olhando o Morro da varanda do apartamento. Tirava até fotos…
Quem me apresentou ao Morro foi o Lucas dos Prazeres, depois que subi a primeira vez, pronto, amor e entrega. Aprendi e aprendo muita coisa boa nesse lugar mágico, cheio de historia e sincretismo. Meu casamento com as raízes negras da música pernambucana, com outras religiões e o sentimento de tribo absorvi no Morro. Isto me ajudou a entender muita coisa da lacuna que eu ainda sentia na minha música e hoje não sinto mais.
RCR – Voltando a falar do Clube do Samba. Há cerca de três semanas fui testemunha ocular do que está ocorrendo no Morro da Conceição nos dias de Roda de Samba. O aniversário do Clube do Samba foi uma das festas mais bonitas e importantes em termos de cultura e música em Pernambuco. Como você se sente vendo este projeto que foi feito com, e por amor a boa música estar tendo uma resposta tão significativa do povo?
Karynna Spinelli – Realizada. A resposta da comunidade, das entidades que recebem os donativos, das pessoas que começaram a subir o Morro sem medo. Caramba isso é muito bom! Nem tudo são flores, tá! Sempre tem alguém que bota gosto ruim, mas escuto, escuto mesmo. Quero melhorar ainda mais o evento. Eu realmente não tinha idéia de que cresceria tanto assim. Hoje já tem banda com o nome do CLUBE DO SAMBA, barzinhos que usam o nome para lançar projetos novos, enfim , isso mostra a força do nosso nome e do nosso evento. Passei 8 meses sem apoio algum, bancando o Clube do bolso, chamar a atenção para conseguir algum tipo de apoio é difícil e depois que consegue é outra luta p conseguir manter, uma verdadeira batalha diária. Mas consegui escrever e aprovar o Projeto no SIC , isso está ajudando muito, o apoio do Bar da Geralda ,dos comerciantes do Morro e de alguns amigos foi fundamental pra que eu conseguisse sobreviver a falta de apoio institucional. A Prefeitura do Recife tem chegado junto em alguns momentos, isto e muito importante. Acho que estamos caminhando bem, apoiados por artistas, pessoas comuns, a maioria sempre quer participar e ajudar. Esta certeza me renova para que consiga continuar mesmo com tantas dificuldades. No Clube, Karynna Spinelli não e só a cantora, é também produtora, captadora, apresentadora, carregadora, limpo até o chão! O trabalho é duro mas minha equipe é afiada, sem eles estaria fritinha da silva.
RCR – Karynna, fazendo uma comparação com os tempos idos, hoje em dia os músicos tem muito mais facilidades de propagação de seus trabalhos, o que é uma coisa excelente. Mas, por outro lado, porque só trabalhos de péssima qualidade nos são jogadas aos ouvidos? O que está se buscando na música?
Karynna Spinelli – Acho que os artistas precisam criar, estudar… Existe um movimento de COPIAR que é insalubre para que coisas boas surjam. Os preconceitos entre as varias tribos e panelas culturais também prejudica. Acho que deveríamos ficar todos nús, trocarmos peças de roupas com o outro,mas olha, tem muita coisa boa chegando, tenha certeza, coisas feitas com cuidado e profissionalismo, acredito na nossa música.
RCR – Uma coisa que admiro muito na sua atitude como pessoa é a valorização do sambista pernambucano. Como é trabalhar ao lado de nomes como Jorge Riba, Paulo Perdigão, Rui Ribeiro, Dona Selma do Samba (que poucas pessoas sabem, mas é uma das maiores compositoras de sambas do Brasil – em qualidade e número) e de tantos outros mestres?
Karynna Spinelli – Tenho sorte, sei disto! Sou acompanhada por grandes músicos de cordas (Pepe, Rubem Franca, Daniel Coimbra) a grande e inebriante percussão de Lucas dos Prazeres, um dos maiores surdistas do Brasil, Amedo, compositores sensíveis e cheios de alma e que ainda gostam de que eu os grave e abrace. O que posso querer mais desta vida hein!
RCR – Alguma coisa nova chama a sua atenção na música pernambucana? Em qualquer estilo.
Karynna Spinelli – Meu CD de cabeceira, no que se refere a samba, é o de Rui Ribeiro ,CONVITE, simplesmente amo! Tem coisa boa as pencas, “Meu Recado” de Jorge Riba, o CD do Arabiando, Rivotrill, OPBH, Orquestra contemporânea de Olinda, Seu Paulo Perdigão com um CD saindo do forno. Mais novo mesmo, hummm, o que me chama atenção e o disco Morro de Samba, você já ouviu? (risos)
RCR – Dia 24 de outubro próximo será lançado “Morro de Samba”, o seu primeiro trabalho solo. A festa como é de conhecimento da grande maioria já tem endereço, a Praça Central do Morro da Conceição. Porque tanta demora para este trabalho sair Karynna? As dificuldades foram muitas para poder gravar?
Karynna Spinelli – Caramba foi uma gestação de alto risco. Depois da decepção de não conseguir aprovar a gravação do disco no Funcultura, tive que levantar a cabeça e pensar rápido. Sem apoio financeiro, tive que refazer inúmeros planos, me convencer de que algumas coisas que não poderia ter agora, por causa de grana mesmo, mas minha equipe me levantou e fomos juntos rumo ao Estúdio Fabrica e conseguimos gravar aos trancos e solavancos. No meio deste caminho tive várias surpresas maravilhosas, participações e apoios inesquecíveis, como o do Fabrica e da empresa Scave. Acredito realmente que o retorno disso tudo vai vir!O disco está lindo! Tu vai ter que fazer outra entrevista comigo só falando disco (risos). Se eu começar a falar agora, danosse, só paro amanhã. Mas pra dar uma resumida, fotografia, encarte, MARAVILHOSOS (surpresas vem por aí), 13 faixas recheadas de boa música, compositores incríveis, arranjos e parceiros “duca”…Texto de minha mãe e Naná (Vasconcelos). O resto conto depois.
RCR- Agora, como de praxe, vem a pergunta covarde. Gostaria que você citasse os 3 nomes mais importantes que te inspiram a seguir nessa estrada musical.
Karynna Spinelli – Eita, lascou!!! Pera, meus filhos, preciso ser feliz e ensiná-los a construir sonhos reais. Lucas dos Prazeres, pelo talento e humildade e “tãrann”: Clara Nunes, admiro demais essa danada, pelo espírito e pelo canto.
Valeu , pelo carinho, pela paciência!
Caraca minha primeira entrevista de fé!
Bj e Axé
Karynna Spinelli.