O texto literário é um objeto que deve ser analisado como obra de arte , uma vez que é em seu corpus que o escritor consegue traduzir em linguagem os sentimentos e as experiências Por ele vivenciadas. É,nesse contexto, que a obra literária deve ser analisada, tomando-se como ponto de partida não só as estruturas que abrigam o conteúdo, mas também os valores que a obra carrega em si mesma, uma vez que os valores portados pelo autor também entram em cena o processo de construção da obra.
O Estilo como Fator de Ressemantização
Considerado por muitos como um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos, o pernambucano Manuel Bandeira está situado na Primeira Fase do Modernismo, também conhecida como Fase Heróica.O poeta é convidado a participar da Semana de Arte Moderna, no entanto prefere não comparecer, apenas envia o seu poema Os Sapos, lido na noite de abertura por Ronald de Carvalho. Na poesia de Bandeira são tratados os mais variados temas, porém as atenções em sua poética se voltam para aquilo que o próprio poeta chama de “minha mitologia”, ou seja, as cenas cotidianas que o autor reconstrói em seus textos, tomando como base as experiências vivenciadas em certas passagens de sua vida.
O que chama a atenção na poética de Bandeira é o fato de que palavras utilizadas no cotidiano tem seu universo de significação ampliado.Em outras palavras, embora o poeta, muitas vezes, construa,por meio de seus versos, temáticas ligadas ao cotidiano, tais como, a infância e a adolescência, o faz de modo muito particular ,uma vez que sendo a arte um fim em si mesma, nos é possível perceber que a partir do momento em que o autor em questãodiz em um de seus poemas […]estão todos dormindo, e nós depreendemos que, na verdade, ele quer nos dizer que todos estão mortos, fica claro que no horizonte do poema apenas, a expressão é ressemantizada, adquirindo, desse modo, um sentido diferente do convencional.
Na tentativa de melhor ilustrarmos as reflexões feitas anteriormente, faremos uma breve análise do poema Evocação do Recife “encomendado” a Manuel Bandeira por Gilberto Freyre, que em 1925 era encarregado de direção do Diário de Pernambuco.O poema seria publicado no Livro do Nordeste, um livro publicado em comemoração aos cem anos do Diário de Pernambuco, jornal mais antigo em circulação na América Latina.
O próprio título do poema,Evocação do Recife, já deixa claro que não se trata de memória, uma vez que memória implica hierarquia , mas sim de fragmentos que vão se configurando na mente do poeta sem uma ordem determinada.Desse modo, não nos é possível saber quando exatamente os fatos relatados aconteceram.Essa maneira de sistematização pode ser percebido pelos artifícios estilísticos utilizados pelo autor na construção do poema.
Para construir o poema Evocação do Recife, Bandeira utiliza o chamado verso livre, o que entra em perfeita sintonia com o universo de sentido delineado pelo texto. Ou seja, a partir do momento em que o poeta se propõe a evocar e não a rememorar não necessita de inscrever esses acontecimentos em uma ordem sucessiva rígida , assim nos fica claro que o tipo de forma escolhido pelo autor, no caso, o verso livre, é também responsável pela criação do discurso , ampliando, desse modo,o universo de significação do poema.
Um outro artifício utilizado pelo autor na construção de seu poema e que, portanto, é de fundamental importância para uma compreensão completa do poema é a inscrição espaços em branco entre os versos.Ou seja, esses espaços em branco indicam justamente os fluxos de memória , em outras palavras, a partir de tal recurso o autor busca ilustrar no próprio texto como se davam os fluxos de lembrança que o fizeram escrever o poema.
Em suma, é possível observar que cada escritor constrói a sua própria poética, conforme pudemos constatar a partir dos escritos de Manuel Bandeira.Em outras palavras, a forma utilizada por uma determinado poeta não deve ser vista como um mero depósito, uma vez que um determinado recurso estilístico estabelece em torno de si um discurso, ampliando, desse modo, as possibilidades de significação de um texto.